Apesar da dor avassaladora, mães de bebês-anjos contam como é importante registrar o encontro e a despedida
“Em novembro de 2017 eu vivi uma perda
gestacional com 38 semanas. Minha bebê parou de mexer do dia para a noite e logo fomos para a
maternidade. A despedida foi muito rápida e eu ainda tive que ficar no mesmo
andar que outras mães”. Esse é o relato da ginecologista obstetra Mônica
Nardy, mãe da bebê-anjo Cecília e uma das fundadoras do grupo de apoio Colcha, que ajuda mulheres no processo de perdas gestacionais.
A fotógrafa de partos Paula Beltrão já conhecia Mônica e foi a partir desse momento que ela criou um trabalho
delicado e muito importante para as mães que passam por uma dor irreparável. O
ensaio de bebês natimortos ou com anomalias incompatíveis com a vida tem a
missão de ajudar as mães e a família a terem o registro do encontro com o bebê, na
tentativa de enfrentar o luto pela memória.
“A foto desse
estilo é de um momento lindo, que tem muita dor, mas que existe um amor incondicional
ali. De um modo geral, a fotografia é importante para o luto, mas quando a gente
convive por muito tempo com alguém, a imagem da pessoa na nossa vida é mais
presente. Já nesses casos, o momento do nascimento do bebê é muito rápido e são
muitas coisas para a mãe processar. Por isso, o registro ajuda muito a mãe a lembrar
o filho que teve uma breve passagem”, explica a fotógrafa.
O ensaio com bebês
que morrem na barriga ou logo após o parto por doenças é um trabalho voluntário de Paula. As mães com o diagnóstico podem procurá-la por meio do grupo Colcha,
criado pela fotógrafa, pela Mônica e uma doula há quase dois anos.
“O registro é do parto, eu faço também o carimbo
do pé e coloco os dois em contato pele a pele. Eu deixo para mães uma imagem
que as elas gostariam de ter do filho. Procuro fotografar o aconchego, o
momento de afeto entre eles”, conta Paula.
A psicóloga
familiar Daniela Bittar, que hoje também faz parte do Colcha, explica que esse
é um tema muito pouco explorado e, por isso, as mulheres ficam muito
desamparadas, desde o momento do ultrassom com a notícia da anomalia até a
volta da licença-maternidade. “Elas não vivem a despedida, o momento simbólico
do reconhecimento do filho. Precisamos humanizar essa morte, as mulheres
precisam ver, pegar a criança, viver a despedida. Um dos maiores medos que elas
têm depois é de esquecer e não lembrar do rosto do filho”, detalha a psicóloga.
Aos três meses
de gestação, Fernanda Pinheiro descobriu que o Miguel tinha a Síndrome de
Edwards, doença genética causada por uma trissomia do cromossomo 18, e não sobreviveria por muito tempo após o parto. “Eu fiz um parto humanizado e consegui ficar
com ele vivo por duas horas. A Paula fotografou todos os momentos. Foi um
presentão pra mim, é a única lembrança que eu tenho dele. Todo dia eu vejo e me
lembro do Miguel. As fotos são lindas e discretas”, conta a mãe.
Foto: Paula Beltrão
Apoio
Em 2018, a taxa de mortalidade
fetal em Minas Gerais foi de 8,7 para cada mil nascidos vivos, um total de 2.302
mortes de bebês com mais de 22 semanas de gestação. Daniela alerta que infelizmente
a sociedade tem a mania de dopar essas mães durante o luto, mas é preciso vivê-lo
para passar por ele. “É a maior dor da sua vida, por alguém que você nem
chegou a ver? É um processo muito delicado e a primeira fase é o desespero,
onde você quer morrer também. Precisamos entender a tristeza da mãe e nos
sensibilizar”, orienta a profissional.
Foi a má condução
da equipe hospitalar no momento da perda do filho que alertou Mônica para a importância
de elaborar o luto, registrar o momento. “Temos que dar tempo para a mulher
entender o que está acontecendo e tudo isso me fez abrir os olhos e perceber
como é ruim essa assistência’, revela a médica.
O grupo Colcha foi criado a partir dessa experiência
para apoiar mães desde o momento do diagnóstico até todo o processo do luto,
por meio de encontros frequentes onde as mães de bebês-anjos compartilham suas histórias.
“Precisamos quebrar o tabu de que o melhor é a mãe não ver o filho que não
sobreviveu. Isso dificulta o processo do luto e elas sofrem por ter nada para
lembrar”, afirma Daniela.
“A mensagem que temos que passar
é que é uma realidade que existe, o luto gestacional é um luto velado, as
pessoas tendem a achar que a mãe não criou um vínculo com o filho. É um luto
que a mãe vai ficar com um vazio na memória. As pessoas têm que entender que a mãe
sofre muito quando perde o bebê na barriga, não ter o contato com o filho dói
muito, elas se sentem muito sozinhas”, ressalta Paula.
Contatos do grupo Colcha:
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