Cultura

‘Exposição Arte na Maternidade’ traz obras criadas por artistas e suas filhas

Mostra virtual conta com 45 trabalhos de Luciana Brandão, Iaci Carneiro e Lorena Barros, bem como de suas respectivas filhas


Créditos da imagem: Divulgação
A “Exposição Arte na Maternidade” resulta de uma residência artística vivida pelas artistas e suas filhas, durante três meses da pandemia

Redação Sou BH

|
03/02/22 às 10:01
compartilhe

Surgido a partir de questionamentos artísticos, socioeconômicos e políticos sobre o exercício da maternidade no campo artístico, o Movimento Arte na Maternidade (MAM) realiza pela primeira vez uma mostra, que traz obras de três artistas visuais, mães, e de suas respectivas filhas. A “Exposição Arte na Maternidade” será lançada no YouTube, em formato de vídeo, na quarta-feira (9), junto ao catálogo virtual e com direito a uma roda de conversa no Instagram com as artistas participantes: Luciana Brandão e Teresa, Iaci Carneiro e Cora, Lorena Barros e Flora. A live também terá participação da curadora da exposição, Flaviana Lasan.

No dia 18 de fevereiro, o MAM realiza outra roda de conversa com as participantes e a curadora; e no dia 1º de março serão distribuídas gratuitamente, no Centro Cultural Zilah Spósito, em Belo Horizonte, um kit ‘exposição em casa’, com 300 unidades, contendo impressos com fruição pedagógica, obras em fine art e um dossiê do processo.

A “Exposição Arte na Maternidade” resulta de uma residência artística vivida pelas artistas e suas filhas, durante três meses da pandemia. Entre agosto e outubro de 2021, foram produzidas dez obras de cada artista e cinco de cada artista filha, totalizando 45 obras que serão disponibilizadas em um catálogo virtual, que traz textos de curadoria, das artistas e de outros profissionais, documentando o processo.  O projeto ainda conta com a produção de um kit ‘exposição em casa’, com 300 unidades, que será distribuído no Centro Cultural Zilah Spósito, em Belo Horizonte. 

“O MAM sempre partiu da premissa de que sua discussão sobre a (re)inserção da mãe artista no mercado de trabalho era uma questão coletiva. Assim, percebemos a necessidade de não apenas criar projetos que possam efetivamente alimentar nossos anseios artísticos, mas também trazer outras mães artistas para serem incluídas nos espaços que cavamos”, diz Luciana Brandão, que junto às artistas mães Iaci Carneiro e Bruna Toledo conduz o MAM.

Sobre a exposição

A residência proposta veio a impulsionar as poéticas de Luciana e Iaci, que são artistas visuais e atuam também, na estrutura do coletivo, exercendo funções de produção e designer gráfico. “A Lorena é uma artista que estava no radar do MAM através do Instagram. Sabíamos que estava afastada da sua produção artística depois que sua filha Flora nasceu. Convidamos ela, pois não faz sentido para nós não promover a transformação que o MAM faz pela gente em artistas que tenham menos acesso ainda que nós. Lorena é uma artista que teve de abandonar sua formação na Guignard por causa da gravidez e isso é tão comum quanto deveria ser inaceitável”, sublinha Luciana. Editado por Henrique Bocelli Falcão, o vídeo apresenta a exposição com imagens captadas pelas próprias artistas durante o processo.

De acordo com Bruna Toledo, responsável pela produção do projeto, a exposição se dispõe a identificar o espaço doméstico como um espaço de trabalho já que é nele que as artistas realizam seus processos criativos e produtivos. “Reentender o espaço doméstico dessa forma supõe é reentender os sujeitos ali presentes e suas atividades consequentemente. Então, se está presente no território criativo mãe e filha, se filha também se expressa de forma plástica através de desenhos, pinturas, esculturas se tornou um processo causa-consequência entender as crianças enquanto artistas e suas atividades enquanto arte”, pontua. “Cada artista dentro da sua realidade desenvolveu ou sofisticou a sua própria metodologia de trabalho em concomitância à sua maternidade. Seja produzindo com as crianças in loco, seja usando sua própria rede de apoio, seja tudo isso e misturado”, completa Luciana.

Para Flaviana Lasan, a maternidade não é homogênea, uma vez que é atravessada por fatores econômicos, sociais e políticos – e as obras do MAM também refletem essa diversidade de olhares e narrativas. “Esteticamente nós temos um amplo cenário que desmistifica as narrativas sobre uma arte segmentada tanto na condição de mulher, tanto na condição de mãe. Temos uma representação por parte da Iaci, que se apoia no cotidiano e na questão sexual; uma narrativa memorial de Luciana que amplia a sua condição de mãe a partir da construção da imagem das mães antes de si e traz uma experimentação figurativa-abstrata; já Lorena traz a energia da arte urbana, com estética do graffiti e uma paleta de cores direta das ruas”, afirma a curadora, destacando o cuidado com as mães, que marcou todo o processo.

“Essa residência apresenta uma possibilidade, um caminho novo de fazer. No meu campo de visão, como profissional das artes, aprendi que não estamos preparados para receber mães em projetos. As demandas, programação, metas. É como se o sistema de arte só funcionasse para pessoas sem filhos”, sublinha Flaviana. “Durante todo processo tivemos a delicadeza de, em nenhum momento, utilizar a palavra ‘urgente’, fizemos diversas adaptações e consideramos outros prazos. Estávamos lidando com puerpério, processos psicológicos e familiares intensos, e um retorno a si mesma, o que causou algumas dores. Normalmente, as mães ficam muito solitárias e foi um grande encontro entre elas”, completa.

Além da vídeo-exposição e das rodas de conversa, o projeto também contou com quatro masterclasses que abordaram assuntos ligados à arte na maternidade: “Arte e sensibilização na infância”, com Camila Amy; “Produção artística e Maternidade”, com Tatiana Blass”; “Sobre gestar filhos e projetos” com Francisca Caporali; e “Ritos de nascimento, ritos de apoio” com Flaviana Lasan. “As masterclass foram alinhadas com os processos de residência e pensamos em pessoas com filhos da área de educação e arte, a ideia era compartilhar estratégias. Camila Amy é uma das educadoras mais disruptivas que temos na contemporaneidade, tendo criado a Rabiola, uma escola dentro de sua casa. Tatiana tem duas crianças e apresentou narrativas que mostram como as crianças impactavam seu trabalho. A terceira foi Francisca Caporali que tem uma grande experiência com residências artísticas, gerou projetos de impacto nacional e com três filhos. Por último fizemos uma masterclass da curadoria explicando processos, contexto histórico e gerando provocações”.

Movimento Arte na Maternidade

O MAM surgiu a partir de uma cena curta apresentada por Luciana Brandão durante seu mestrado em artes cênicas, em 2017. “O exercício final da disciplina era criar uma performance. Não sabia o que fazer, até que pensei em post-its, aqueles bilhetes amarelos, adesivos. Coloquei vários na minha barriga, com perguntas que me faziam e eu achava invasivas ou desnecessárias: se eu estava feliz, porque eu estava grávida, se eu tinha esquecido a camisinha, se considerei abortar, se era menino ou menina”, relembra a artista, que à época da apresentação estava grávida de sua filha, Teresa. Após apresentar a performance na disciplina, Luciana se inscreveu no edital do Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto e passou.

“Foi um acontecimento. Poder expor, em cena, meus sentimentos, minha vulnerabilidade. Com um corpo grávido e nu. Foi uma enorme reafirmação enquanto artista, capaz de traduzir uma experiência individual para a coletiva. Afinal, todo mundo ali era filho de uma mãe”, reflete. Para aprofundar a criação da cena, Luciana convidou artistas que já admirava, entre elas, Bruna Toledo, sua primeira amiga mãe. “O encontro com a Bruna, mãe da Lis, que na época tinha três meses, enriqueceu muito a concepção da cena. Quando vencemos como cena mais votada, fomos a Mariana apresentar uma temporada e passamos mais tempo juntas. Nossa amizade se manteve e cresceu. Continuamos a nos questionar, falando das nossas experiências e isso, sem dúvidas, permitiu com que o MAM brotasse”.

A partir dali, não faltaram encontros e projetos. “A gente conversava muito, e as ideias iam aparecendo, para todos os lados. Eventos, mostras, livros, rodas de conversa, residências artísticas, políticas públicas para cultura e urbanismo”, afirma Luciana. Pintou, então, a vontade de promover uma festa independente, sem patrocínio ou apoio institucional, que juntasse arte e maternidade. “Colocamos tudo o que imaginávamos que era preciso para oferecer uma tarde agradável às mães, num ambiente seguro para os filhos. Fizemos um palco aberto, com sarau, para artistas mães que quisessem participar construíssem uma consciência coletiva na festa e se divertissem. Ou seja: todo mundo olhava as crianças”, afirma a artista.

Luciana conta que, para a festa, convidou a amiga Iaci Carneiro, artista visual e designer, para criar a identidade gráfica do cartaz. “A entrada da Iaci, mãe da Cora, foi uma experiência prática e consciente do que, sem querer, eu e Bruna já fazíamos: não deixar ela desistir do valor do seu trabalho, trazer suas questões e dificuldades para nossa rede de apoio e tê-la como parceira”, sublinha. “Queríamos mostrar que era possível ter um momento de lazer digno, seguro e agradável para mães que não tinham com quem deixar os filhos ou que queriam tê-los por perto. Apesar de toda a infraestrutura e lazer para as crianças, nosso foco era na mãe, no sujeito mulher, que tem direito ao acesso à cultura, como qualquer outro”.

Serviço
MAM apresenta “Exposição Arte na Maternidade”
Lançamento do vídeo. Dia 9 de fevereiro, quarta-feira, no YouTube
Rodas de conversa. Dias 9 e 18 de fevereiro, no Instagram
Distribuição dos kits. Dia 1º de março, no Centro Cultural Zilah Spósito