Inhotim recebe o Museu de Arte Negra idealizado por Abdias Nascimento

A exposição será dividida em quatro atos, cada um com duração de cerca de cinco meses, desdobrados a partir de indagações postas à coleção do Museu de Arte Negra

Créditos da imagem: Enciclopédia Itaú Cultural
Em 2021, ano que marca os dez anos da perda de Abdias Nascimento, Inhotim e IPEAFRO o homenageiam com uma ação de longa duração, a ser realizada entre 4 de dezembro de 2021 até dezembro de 2023
Redação Sou BH
24/11/21 às 08:22
Atualizado em 24/11/21 às 08:22

De forma inédita, Inhotim sedia outro museu dentro de seu espaço e, em parceria com IPEAFRO (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros), traz ao público o Museu de Arte Negra (MAN), projeto idealizado pelo Teatro Experimental do Negro sob a liderança de Abdias Nascimento (1914-2011). A iniciativa traduz o desejo do intelectual de desafiar os conceitos vigentes sobre a arte moderna, revelando sua relação com a estética africana. Além disso, procura apoiar e promover a produção de artistas negros de todo o mundo e enfrentar o racismo em suas dimensões estética e institucional.

A exposição será dividida em quatro atos, cada um com duração de cerca de cinco meses, desdobrados a partir de indagações postas à coleção do Museu de Arte Negra. O primeiro, exibido a partir de 4 de dezembro, traz o diálogo entre a obra de Abdias, Tunga e o acervo do MAN em um espaço que remete às origens do Inhotim: a Galeria Mata, situada próximo à Galeria True Rouge, uma das primeiras da instituição e que expõe de forma permanente a instalação de título homônimo de Tunga.

A curadoria feita a quatro mãos - Inhotim e IPEAFRO - reuniu para este primeiro ato pinturas, desenhos, fotografias e instalações que evidenciam o diálogo e a conexão artística entre Tunga e Abdias.

Entre as cerca de 90 obras apresentadas estão o quadro pintado por Tunga em 1967, aos 15 anos, para o acervo do MAN; Invocação Noturna ao Poeta Gerardo Mello Mourão: Oxóssi (1972), pintura que Abdias fez em homenagem ao amigo Gerardo e à memória dos poetas da Santa Hermandad Orquídea; e a instalação Toro Condensed; Toro Expanded (1983 - 2012), na qual Tunga traz a ideia de movimento contínuo e alude a metáforas de desenvolvimento, como o ciclo da vida, que faz parte da mitologia afro-brasileira.

"Amigos de longa data, Tunga e Abdias abrem espaço para o Museu de Arte Negra, e para os próximos atos desse projeto. Cosmogonias, tradição e ancestralidade conduzem os caminhos neste encontro de mundos", diz Douglas de Freitas, curador do Inhotim

Museu de Arte Negra 

Desde os anos 1940, Abdias Nascimento e seus companheiros do Teatro Experimental do Negro (TEN) trabalhavam com a proposta de valorização social do negro e da cultura afro-brasileira por meio da arte e da educação. O TEN buscava delinear um novo estilo estético e dramatúrgico, e assim lançava as bases para a fundação do Museu de Arte Negra (MAN).

Foi o TEN que, em 1950, no Rio de Janeiro, organizou o 1º Congresso do Negro Brasileiro, em que se discutiu a "estética da negritude" e modos de visibilização e valorização da produção de artistas negros e daqueles que lidavam com a representação da cultura negra em seus trabalhos. Nesse sentido, a plenária do Congresso aprovou uma resolução sobre a necessidade de um museu de arte negra. O TEN assumiu o projeto, e assim nasceu o MAN.

"Naquela altura, ainda influenciada pela primeira onda modernista, que reafirmava o mito dos ‘benefícios da miscigenação’ das três raças (branca, indígena e negra) para a formação da sociedade brasileira, a representação do negro nos museus tradicionais aparecia em segundo plano e, em sua maioria, mediada pelo olhar do branco. Assim, era preciso romper com esse sistema representacional e tornar visível ao mundo a riqueza da cultura negra para o campo da Arte", explica Deri Andrade, curador assistente do Inhotim e pesquisador à frente do Projeto Afro - plataforma afro-brasileira de mapeamento e difusão de artistas negros.

A coleção Museu de Arte Negra ganhou forma sendo composta por pinturas, desenhos, gravuras, fotografias, esculturas, dentre outras, numa pluralidade de suportes e técnicas. "Da curadoria dessa coleção e da convivência com o artista Sebastião Januário em um pequeno apartamento no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, surgiu a ‘aventura pictórica’ de Abdias Nascimento (assim ele se referiu à sua própria produção artística)", afirma Julio Menezes Silva, coordenador do projeto Museu de Arte Negra do IPEAFRO no ambiente virtual.

Em 1955, o projeto MAN promoveu um concurso de artes plásticas e uma exposição sobre o tema do Cristo Negro. A exposição inaugural da coleção Museu de Arte Negra foi realizada em 6 de maio de 1968, no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro. Os organizadores aproveitaram, para isso, a comemoração dos 80 anos da abolição da escravatura, ocorrida em 1888. Entretanto, eles tinham plena consciência de que as estruturas que sustentavam o regime escravista de violação de direitos e da dignidade humana se mantinham sob a forma do racismo. Sem medidas reparatórias como acesso ao emprego, à cultura e à educação, a abolição resultou na exclusão social, econômica, política e cultural da população negra recém-libertada.

De modo a contestar essas ausências, a criação do TEN e do MAN por Abdias Nascimento foi uma forma de dar visibilidade à cultura negra e sua importância para a formação nacional. Após a abertura da exposição, Abdias Nascimento ganhou uma bolsa de intercâmbio cultural para os Estados Unidos. Era a fase mais dura da ditadura civil-militar. Com a promulgação do Ato Institucional - 5, em dezembro de 1968, alvo de vários Inquéritos Policiais-Militares, Abdias se viu impedido de retornar ao país.

"Esse infortúnio foi um obstáculo para o retorno de Abdias ao Brasil. Limitou as atividades do Museu de Arte Negra, mas não as do artista, que continuou produzindo e coletando obras durante o seu exílio", comenta Elisa Larkin Nascimento, viúva de Abdias Nascimento e co-fundadora do IPEAFRO. "Assim, atualmente uma profusão de artistas nacionais e internacionais integram o acervo do MAN-IPEAFRO, contribuindo para o enriquecimento das narrativas curatoriais sobre a produção artística negra", finaliza.

Abdias Nascimento

Poeta, escritor, dramaturgo, curador, artista plástico, professor universitário, pan-africanista e parlamentar, Abdias Nascimento (1914-2011), indicado oficialmente ao prêmio Nobel da Paz em 2010, teve uma longa trajetória trilhada no ativismo e na luta contra o racismo. Em 2021, ano que marca os dez anos da perda desse intelectual essencial para o pensamento brasileiro, Inhotim e IPEAFRO (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros), instituição fundada por Abdias e que zela pelo seu legado, o homenageiam com uma ação de longa duração, a ser realizada entre 4 de dezembro de 2021 até dezembro de 2023.

Serviço
Museu de Arte Negra - Primeiro ato: Abdias Nascimento e Tunga
Período expositivo: 4 de dezembro de 2021 a 10 de abril de 2022
Local: Galeria Mata | Instituto Inhotim
Visitação: de quinta a sexta-feira, das 9h30 às 16h30; e aos sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30 
Ingressos: R$ 22 (meia) e R$ 44 (inteira) na Sympla 
Entrada gratuita na última sexta-feira de cada mês, exceto feriados, mediante retirada prévia através da Sympla 
***Moradores de Brumadinho cadastrados no programa Nosso Inhotim e Amigos do Inhotim também possuem entrada franca

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