Performance solo da multiartista mineira, “Sereias” se debruça sobre as variadas facetas e origens de uma das mais famosas figuras míticas
Do Rio Vermelho, em Salvador, à Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Da mitologia grega às divindades iorubás. De Dorival Caymmi aos Paralamas do Sucesso. Das pranchas de surfe às fantasias de Carnaval. Dos livros infantis aos causos dos anciãos. As sereias talvez sejam as figuras mitológicas mais incrustradas no imaginário coletivo do brasileiro – e, nem por isso, sabemos muito sobre as origens e as múltiplas facetas dessa fascinante figura. Essa foi a fagulha que despertou o interesse da multiartista mineira Jéssica Tamietti pela mais famosa criatura das águas, o que desembocou no espetáculo solo “Sereias”, em 2015. Seis anos depois, a atriz, palhaça, musicista, educadora, poeta, escritora e contadora de histórias apresenta uma nova versão da montagem, adaptada para o audiovisual. Realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, o vídeo será publicado no dia 13 de setembro, segunda-feira, às 20h, no YouTube.
O espetáculo “Sereias” resgata mitos de povos distintos através da poesia rimada, mostrando a multiplicidade do mito e sua diversidade em convivência harmônica. São contadas as histórias das sereias gregas, de Melusina, de Iemanjá, da Mãe D’água e de Iara, apontando seus pontos em comum e suas divergências. As diferenças, inclusive, foram o ponto de partida para a pesquisa de Tamietti, como conta a artista: “Na faculdade de Letras, participei do projeto Contos de Mitologia, que tinha por objetivos pesquisar e divulgar as mais diversas mitologias, principalmente nas escolas públicas de BH. Foi lá que descobri que as sereias gregas tinham asas, destruindo meu imaginário de sereia. Então me pus a investigar outras histórias e mitos relacionados a esse arquétipo, para além da imagem da sereia metade peixe”.
Para Tamietti, o espetáculo é uma forma lúdica de contribuir para a difusão e pesquisa dos mitos, abrindo o espaço para as mitologias menos divulgadas, que também são de grande importância, como a indígena e a africana, e para a valorização do Patrimônio Imaterial que se propaga através das histórias orais, dos nossos ritmos e músicas – e, também, do material. Não à toa, “Sereias” estreou na Praça da Liberdade, onde, ainda que pouca gente saiba, há uma fonte com a figura mítica. “Na verdade, a ‘Fonte das Sereias’ tem um nome oficial, que é a ‘Fonte das Três Graças’ ou ‘Ninfas’ outras personagens mitológicas. Ela foi esculpida em mármore de carrara italiano pelo pintor, ilustrador, desenhista, gravador, escultor e ourives Manuel Martins, e inserida na praça na reforma realizada em 1969”, conta.
“Apesar das três graças estarem na base da fonte, para mim o que se destaca são as duas sereias em seu topo. Acredito que, pelo fato de as sereias serem conhecidas também por um viés negativo, de encantar os homens e, em muitos mitos, levá-los à morte, o nome ‘Três Graças’ foi escolhido em virtude de seu significado mais ‘positivo’ na mitologia grega. Entretanto, desde que eu descobri essas sereias na praça, a ‘rebatizei’ como ‘Fonte das Sereias’ e tenho espalhado esse nome por aí”, brinca.
A artista afirma que a adaptação de “Sereias” para o audiovisual foi um processo desafiador, já que se trata de um espetáculo de rua, permeado pela música que ela desempenha através de composições próprias e interpretações na voz e na flauta. “Adaptar para o virtual é sempre um desafio e a pandemia nos trouxe essa necessidade. Escolhi manter a gravação do espetáculo como ele é, tendo como cenário somente os instrumentos, para que o foco fosse realmente a história. A novidade foi ter um músico me acompanhando na melodia das músicas e contribuindo para a trilha, com alguns recursos mais modernos, como o looping”, adianta Tamietti.
“O lado positivo é ter a oportunidade de atingir mais pessoas do que em uma apresentação presencial, e compartilhar com amigos do mundo todo essas histórias, esperando ainda que elas cheguem a muitas outras pessoas”, avalia, lembrando que, ao longo desses anos, “Sereias” circulou por escolas e praças e Universidades, em BH, e pelo interior de Minas Gerais, como o Festival de Inverno de São João Del Rey, e o Festival Gastronômico de Tiradentes. “Também tive o privilégio de apresentá-lo num espaço cultural recém-inaugurado em Boipeba, na Bahia. Foi um momento lindo”.
Livro
Em 2019, Jéssica Tamietti desdobrou “Sereias” para o papel, em homenagem a um público que também sempre se interessa pela mãe das águas: a criançada. Como o espetáculo, em si, não é direcionado exclusivamente aos pequenos – mas a pessoas de todas as idades –, surgiu a ideia de criar um livro para colorir, que condessasse a história dos cinco mitos de forma mais simples e divertida. Mestre em Literatura, a multiartista lançou, então, “Sereias: Histórias para ler, colorir, ouvir e cantar”, pelo Edital Descentra, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. O lançamento aconteceu no Centro de Referência da Juventude (CRJ) e contou com a distribuição de 350 exemplares gratuitos do livro, além de uma apresentação do espetáculo.
“A sereia está no imaginário das crianças de forma muito marcante e espero que o livro e a apresentação contribuam para reforçar ainda mais essa presença, abrindo espaço para a pluralidade das sereias e das histórias. Acredito que o livro, por possibilitar que que cada um pinte suas sereias de acordo com sua imaginação e seus referenciais, agrade ao público infantil e principalmente o juvenil”, afirma Tamietti. “Quero mostrar que essas figuras encantadoras estão em muitos lugares e culturas do mundo, com várias caras, desenhos e formas; que podem ter asas, caldas, cabelos e cores diferentes. É necessário sempre reforçar que todas as representações culturais têm seu valor, e todas devem ser respeitadas e podem conviver em harmonia”.
Sobre Jéssica Tamietti
Jéssica Tamietti é uma multiartista: narradora e escritora de histórias e poesias, é ainda atriz, palhaça, musicista, cantora, ilustradora e tradutora. Possui mestrado em Estudos Literários na linha de pesquisa de Poéticas da Tradução, licenciatura em Português-Italiano e o curso técnico de ator pelo Teatro Universitário, todos pela UFMG. Desde 2005 se dedica às artes profissionalmente tendo trabalhado com cultura e educação e se apresentado por todo o Brasil e em países como Itália, Grécia, Peru e Argentina.