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No Dia Nacional do Escritor, celebramos escritores mineiros

Entre nomes já consagrados e os que se dedicam às palavras nos dias atuais, Minas Gerais abriga vasta potência criativa



Créditos da imagem: KimSongsak/shutterstock
Main destaque kimsongsak
Déborah Rodrigues *
25/07/20 às 14:10
Atualizado em 25/07/20 às 14:50

Hoje, dia 25 de julho, é o Dia Nacional do Escritor, e para comemorar a data, nada melhor que enaltecer os grandes escritores de Minas Gerais, que nos fazem viajar por meio de suas escritas, sejam eles nomes já conhecidos e consagrados, ou aqueles que se dedicam às palavras nos dias de hoje.

A primeira geração literária mineira se desenvolveu no século XVIII, quando Vila Rica, atualmente a cidade de Ouro Preto, tornou-se centro econômico e político. Na época do ouro, os poetas árcades, como Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto e Cláudio Manoel da Costa, se inspiravam na bela paisagem local e em ideais bucólicos para suas criações.

A partir daí grandes nomes foram se consagrando e passaram a representar com louvor a literatura brasileira. A lista de escritores mineiros é grande, carregando nomes como Adélia Prado, Alphonsus de Guimarães, Bernardo Guimarães, Carlos Drummond de Andrade, Cláudio M. da Costa, Fernando Sabino, Frei Santa Rita Durão, Guimarães Rosa, Henfil, Henriqueta Lisboa, Murilo Mendes, Murilo Rubião, Oswaldo França Júnior, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Pedro Nava, Roberto Drummond e Ziraldo.

Muitos deles, inclusive, colocaram em belas palavras seu olhar sobre a capital mineira. O itabirano Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, descreve seu olhar sobre BH:

 Lanterna Mágica  

Meus olhos têm melancolias,
minha boca tem rugas.
Velha cidade!
As árvores tão repetidas.

Debaixo de cada árvore faço minha cama,
em cada ramo dependuro meu paletó.
Lirismo.
Pelos jardins versailles
ingenuidade de velocípedes.

E o velho fraque
na casinha de alpendre com duas janelas dolorosas.

 

Nos dias atuais, Belo Horizonte também abriga talentos da literatura que continuam mostrando toda a potência criativa de nosso Estado. É o caso da escritora, poeta, de 24 anos, Ana Costa. Estudante de Letras, Ana traduz em palavras um olhar sensível sobre o mundo, sobre si, sobre sua vida. A autora conversou com o Sou BH e contou um pouco sobre seu processo de escrita, suas paixões, mercado literário brasileiro, e ao final ainda nos agraciou com um de seus poemas. Confira!

Como começou o seu processo e o gosto pela escrita? E a poesia, o que te motivou a escrevê-las?

Foi mais como uma forma de desabafar. Quando eu era mais nova eu era muito fechada e não conseguia falar as coisas que sentia, então era uma forma de falar o que eu estava sentindo. No começo eu tentei escrever prosa por um tempo, mas eu sentia que precisava de uma coisa mais profunda que isso, que fosse mais sentimental e encontrei isso na poesia.

Você escreve outros gêneros, ou prefere se dedicar apenas à poesia?

Já escrevi há um tempo atrás contos, mas eu prefiro dedicar à poesia pelo momento. Os últimos anos têm sido muito intensos de sentimentos e também de mudanças internas que estou tendo como pessoa. Então a poesia se encaixa melhor nesse momento.

Você persegue algum ideal de escrita na hora de suas criações?

Eu acho que depende do projeto em si. No meu primeiro livro por exemplo, eu fu escrevendo os poemas espaçadamente, aí depois entendi que eles tinham uma ligação e tratavam de momentos diferentes da minha vida. Eu separei o livro em fases, e essas fases viraram partes, e já no momento de fechar o projeto editorial, eu e a Yasmin, que fez o projeto gráfico do livro, a gente pensou em associar essas fases da vida ao ciclo de vida das árvores, e é daí que veio o nome.

Conte um pouco sobre o seu processo de escrita: como lida com as travas, é difícil começar? Você tem algum momento especial em que a escrita flui melhor?

Ah, o meu processo, às eu estou assistindo aula, e de repente sinto aquela necessidade de escrever, como se eu não escrevesse ficaria doida, e aí sai os poemas. Então normalmente eu escrevo assim espontaneamente, depois leio, dou uma ajeitadinha e está pronto. À noite eu também gosto de escrever, depois que já fiz tudo durante o dia e fico mais na minha e escrevo um pouco. Eu não costumo ter muitas travas, pois nunca escrevo poesias por obrigação, é só quando tenho aquela vontade que quase me obriga a escrever.

Como você vê o mercado literário no Brasil? Você já tem um livro publicado, pensa em publicar outros?

Eu acho o mercado muito complicado. Por que se você não conhece alguém, não tem um agente, não tem contato com editoras, é muito complicado você conseguir ser publicado a nível nacional. Mas a plataforma do Kindle de auto publicação é uma boa alternativa, e foi o que eu fiz com o meu livro de poesias, Da Semente ao Pó. Eu penso em publicar outro livro, mas por enquanto, eu ainda não encontrei o próximo projeto que quero publicar, talvez em uma editora independente.

E em relação a outros autores? O que gosta de ler, e o que anda lendo neste momento?

Eu leio vários autores, mas pensando em poesia, para mim é Deus no céu e Drummond na Terra. Para mim, todos os poemas que ele escreveu, principalmente sobre Minas Gerais em geral, sobre BH, Itabira... ele tinha uma maneira muito singular de ver o mundo e ele conseguia representar isso muito bem nos poemas dele. E um dos livros dele que eu indico é o Sentimento do Mundo, ele tem inclusive aquele poema Mãos Dadas, que evoca a união das pessoas, e isso nesse momento está sendo muito importante.

Neste momento eu estou lendo Cem Anos de Solidão, do Gabriel García Márquez, e está valendo super a pena, é muito bom mesmo.

 

Jornada Nebulosa

Ana Costa

Quem eu sou, não sei dizer, não sei se nunca soube a resposta, ou se não me atrevo a cuspi-la no verso. Existem infinitas combinações de mim que tento organizar no papel. Não encontro caracteres suficientes capazes de me convencer de que sou o que sou, porque assim me fiz. Na verdade, foi o curso que a vida tomou, lapidou e me poliu a punho assim: oca de mim e cheia de ninguém.

A verdade precisa ser dita em voz alta, nem tudo que parece concreto ou imutável tem a capacidade de continuar ou ser assim. Acaso tivesse a possibilidade de escolher, seria mais viva, com sorrisos verdadeiros, mas não posso abandonar minhas cicatrizes.

Graças a elas, tenho a capacidade de superar o absurdo de coisas que acontecem dentro de mim.

Quando sorrio, trago todas as dores presas aos dentes. Chorando, trago as decepções em uma garrafa, jogo-as ao mar de minhas lágrimas, sem medo de lançar. Mas quando finalmente escrevo, trago com as palavras todas as sensações de como é desnudar a própria alma, oferecê-la como poema e ainda assim não se conhecer. Sou uma galáxia inteira que não foi descoberta por parecer obscura demais, logo, incapaz de obter luz.


*sob supervisão da jornalista Bárbara Batista