Orixá é celebrada por fiéis com entrega de oferendas nas águas da lagoa e apresentações musicais
Predominam as flores, muitas delas. A maioria são rosas. Os presentes para Iemanjá costumavam incluir espelhos, fitas, tecidos e vidros de perfume, mas já há alguns anos as homenagens são feitas com materiais biodegradáveis – principalmente do tipo que se desfaz na água: flores, frutas e fibras vegetais. Neste domingo (5/02), a Lagoa da Pampulha recebe, pelo décimo ano, a entrega coletiva do Presente Ecológico de Iemanjá, com fiéis reunidos a partir das 14h. Sem vidro ou plástico na composição, as oferendas são colocadas em balaios – também de fibra vegetal – e levadas às águas em sinal de gratidão e reverência a orixá, rainha e protetora das águas. Segundo a associação cultural Afoxé Bandarerê, que puxa a organização da festa, “o Presente de Iemanjá tem como princípio e objetivo o combate ao racismo, à intolerância religiosa, à homofobia, combate ao feminicídio e ao genocídio da juventude negra”.
Os tributos acontecem sempre no domingo mais próximo ao 2 de fevereiro, dia dedicado a Iemanjá em todo o país. Os povos de terreiro, religiosos do candomblé e da umbanda, são os principais responsáveis pela celebração, que no litoral ocorre à beira-mar. Em BH, o ato carregado de fé também traz contexto político, graças ao engajamento social que o Afoxé Bandarerê manifesta. Neste ano, o presente entregue às águas vem com a denúncia de violações contra o meio ambiente e também contra os direitos humanos. “Aqui em Minas Gerais infelizmente temos nos últimos dez anos vivido uma violação sem precedentes às águas, com o assassinato de dois rios – Rio Doce e Rio Paraopeba – pela ganância da mineração, ceifando centenas de vidas”, destaca texto divulgado pelo Afoxé Bandarerê na apresentação da festa.
Iemanjá não é somente rainha das águas ou do mar – chamada de “dona de todas as cabeças” ela é considerada, antes de tudo, mãe. Seu nome deriva do iorubá “Yéyé Omó Ejá”, que significa “mãe cujos filhos são como peixes”, e sua figura é associada à ideia de proteção às pessoas. Nesse sentido, o gesto na orla da Pampulha tem tudo a ver com espiritualidade, mas também com posicionamento frente a questões sociais urgentes. Na nota sobre o Presente de Iemanjá divulgado pelo Afoxé Bandarerê há um exemplo direto: “Vimos mais recentemente na escala nacional a estratégia de etnocídio contra o povo Yanomami, tendo como uma das principais vias a poluição por mercúrio em suas fontes de água”.
A celebração de Iemanjá será marcada por muita música ao vivo, com ritmos da cultura afro-brasileira em evidência. Entre as apresentações confirmadas está Adriana Araújo, uma das sambistas mais atuantes na capital, além da cantora e compositora mineira Maíra Baldaia. O Samba da Meia Noite, a roda mais querida da cidade, também estará presente com seus “sambadores e sambadeiras”. O bloco Tapa de Mina e a DJ Camis completam a lista de convidados.
Mas a performance de destaque neste domingo, devidamente, é o cortejo do Afoxé Bandarerê. Para quem não conhece, o grupo pode lembrar um bloco de carnaval, em sua profusão de música, cores e alegria – porém a intenção dos afoxés enquanto manifestação cultural e religiosa vai muito além da folia em si. Trata-se de “festejar nas ruas a afirmação da sabedoria da matriz africana dos terreiros das variadas nações presentes”, como explica em nota o Bandarerê.
O cortejo do Afoxé também é conhecido como “candomblé de rua” e seus cantos não são de carnaval, mas religiosos. Alguns dos instrumentos usados são encontrados em blocos e bandas, mas têm origem nas religiões de matriz africana: atabaque, agogô, xequerê e afoxé, objeto que leva o mesmo nome do cortejo, feito de uma cabaça recoberta por uma rede de contas ou miçangas que chacoalham.
Em Belo Horizonte, o Afoxé Bandarerê foi fundado em 2013 por candomblecistas e umbandistas que tinham o “propósito de reforçar a identidade afrorreligiosa para fora dos terreiros”, como explica em texto a associação. A ideia é que a expressão da cultura e religiosidade sirva para contrapor “preconceitos, racismos e intolerâncias que as religiões de matrizes africanas ainda sofrem no Brasil na totalidade, embora seja inegável sua contribuição para cultura e identidade nacional em sua diversidade”.
Presente Ecológico de Iemanjá
Domingo (5/2) a partir das 14h na Praça de Iemanjá (Av. Otacílio Negrão de Lima, 260 – São Luiz), em frente à estátua de Iemanjá na Lagoa da Pampulha
Evento aberto ao público e gratuito
Mais informações no Instagram do Afoxé Bandarerê