Oito a cada dez usuários que já experimentaram coletivos sem agentes avaliaram que as viagens ficaram menos seguras
Reprodução PBH/Divino Advíncula
Por Júlia Alves
Você já pegou algum ônibus
municipal sem trocador? A experiência foi agradável? Para mais de 88% dos
belo-horizontinos que pegaram o transporte sem o agente de bordo a resposta é
não. Com as linhas troncais do Move e aquelas do horário noturno, domingos e
feriados operando sem trocadores, cerca de 1% dos usuários acreditam que as
viagens ficarão mais seguras e confortáveis.
Determinadas linhas de BH já não possuem a obrigatoriedade na presença dos agentes de bordo desde 2012, quando uma lei (número 10.526/12) com essa liberação foi sancionada. Uma das justificativas para a eliminação desse profissional foi que parte da economia com o salário deles seria reutilizada em melhorias do transporte público. Porém, o belo-horizontino não acredita nessa premissa e não está satisfeito com essa mudança.
Ao menos é o que mostra o resultado de pesquisa exclusiva da empresa Opinion Box. De dez usuários que já tiveram a experiência de pegar um coletivo sem trocador, nove não gostaram da nova prática. E cerca de 72% dos belo-horizontinos
consultados acreditam que não acontecerão melhorias no transporte público em
decorrência desta economia feita ao longo da vigência da lei.
Questionadas, as empresas de ônibus garantem que a desconfiança da população não se concretizará. “A modernização constante do sistema de transporte coletivo urbano por
ônibus de Belo Horizonte está prevista em contrato”, afirma, em nota, a
assessoria do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de BH (Setra-BH) ao SouBH.
Planejamento
Sem modernização, com a
insatisfação dos belo-horizontinos e a falta de um planejamento mais eficiente,
o engenheiro civil e especialista em Transporte e Trânsito da FUMEC, Márcio
José de Aguiar, acredita que é preciso acontecer uma mudança de estrutura antes
da retirada dos trocadores. “Com uma estrutura e o uso de tecnologias, é
possível criar um planejamento a médio e longo prazo bem eficiente para
reorganizar a questão do transporte público em BH”, comenta o especialista.
Segundo o engenheiro, é preciso acontecer
uma transição lenta e planejada, especialmente em relação à segurança e ao
acesso dos usuários, em principal, as pessoas com deficiência. “A administração
deve fazer um trabalho de educação do público e das empresas, realizar
pesquisas de opinião, ver a reação do público antes de reestruturar o sistema e
garantir a segurança dos usuários com um sistema interno eficiente que compense
a saída dos trocadores e garanta o acesso universal ao transporte”.
Para o especialista, o objetivo deve ser facilitar o transporte coletivo para os belo-horizontinos.
Legislação e Fiscalização
A lei que limita a
obrigatoriedade do serviço dos agentes de bordo em certas linhas da capital entrou
em vigor há cinco anos. Segundo a justificativa da gestão da época, a medida seria um
importante passo para a implantação do sistema de Bus Rapid Transit (BRT) e permitiria
uma maior facilidade no transporte para usuários e motoristas.
Mesmo com a aprovação da lei, vários projetos visando a manutenção ou extinção completa dos trocadores foram
propostos na Câmara Municipal. Neste ano, os parlamentares reavivaram o debate
em uma reunião da Comissão de Desenvolvimento Econômico e Transporte. A sessão
foi promovida para debater a situação dos trabalhadores da categoria e a
qualidade do serviço prestado aos usuários. De acordo com a assessoria da
Câmara, seis projetos de lei tramitam atualmente em prol da categoria.
Vander Bras/PBH
Com a lei em vigor, cabe à BHTrans fiscalizar quais linhas estão de acordo com a medida. O órgão é responsável
por monitorar irregularidades no transporte e receber as reclamações de
usuários dos ônibus da capital. No entanto, ao ser questionada pelo SouBH sobre o número de infrações das empresas e de denúncias realizadas por passageiros nesses cinco anos, a empresa de trânsito da capital mineira se esquivou.
Após a reportagem mandar os questionamentos em duas ocasiões, a assessoria da BHTrans preferiu não responder objetivamente sobre essas questões. Portanto, não é possível saber quantas reclamações dos usuários foram protocoladas oficialmente nem se a empresa de trânsito flagrou – e, consequentemente, multou – irregularidades das concessionárias.
Por fim, ainda de acordo com a assessoria da BHTrans, dentro
dos horários não obrigatórios, cabe às concessionárias escolher quais linhas
ficarão sem trocadores. Devido a isso, o órgão não fiscaliza esses itinerários.
Empresários
Responsável pelas empresas de ônibus
da capital, o Setra-BH admite que essas medidas não têm base em qualquer estudo. Ao mesmo tempo, os empresários garantem não ter intenção de suprimir completamente o
agente de bordo, apenas em linhas em que há baixo número de usuários nos ônibus noturnos
e dos fins de semana.
Mesmo com o levantamento da pesquisa sobre a insatisfação
dos usuários e com 96% das pessoas acreditando no aumento do desemprego na
cidade, a assessoria do sindicato afirma que a medida não acarreta prejuízo à
qualidade do serviço prestado à população.
Trabalhadores
Para o Sindicato dos
Trabalhadores em Transporte Rodoviários de Belo Horizonte (STTR-BH), a lei abre
um precedente para a retirada completa dos trocadores. Mesmo com os diálogos
com a Câmara Municipal e o Executivo, é preciso uma postura mais definitiva
para manter os direitos da categoria, conforme os trabalhadores. Audiências,
reuniões e propostas de projetos fazem parte da abordagem do sindicato em
relação aos parlamentares.
A partir de um levantamento não-oficial
feito pelo STTR-BH, cerca de 400 trabalhadores já perderam o emprego em
decorrência da legislação. Com denúncias de abusos, o sindicato averiguou que
algumas empresas de ônibus rodaram fora do horário previsto em lei sem os
trocadores. Para o sindicato, isso pode levar a um agravamento da situação da
categoria e uma recorrência na infração da lei.
Com a supressão do trocador, o
acúmulo de funções dos motoristas e o desemprego na área do transporte coletivo
são questões em pauta na Câmara. Segundo o advogado Antônio
Queiroz, especialista em Direito Trabalhista, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas
Gerais não concede aumento salarial à categoria. “Como não há um consenso no
que diz respeito ao acúmulo de funções, cabe ao sindicato proteger a categoria
e garantir que seus direitos sejam atendidos juntamente às empresas”, afirma o
advogado.
A partir da ideia de redução de
custos, as concessionárias se voltam para a redução de pessoal. De acordo com o
especialista, essa é uma via de mão dupla. “Há uma ilusão de redução de gastos,
porém, ações trabalhistas que vão além do acúmulo de funções podem gerar um
alto custo às empresas”. Queiroz cita a insegurança, os acidentes de trabalho
devido à atenção dividida e assaltos como os possíveis motivos de processos sofridos pelas
empresas.
Para o advogado essa transição é
natural, porém, ela não foi feita da maneira correta em BH. “Embora a
modernização seja inevitável, a Constituição protege o trabalhador. Se a lei
extingue uma atividade, a mesma lei deve conferir a esses trabalhadores novas
oportunidades, seja por meio de qualificação ou novos empregos”, conclui o
especialista.
A pesquisa do Opinion Box foi realizada entre os dias 30 de agosto e 4 de setembro. Foram ouvidas 400 pessoas e a margem de erro é de 5%.