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Pra ficar na memória! Fotógrafa de BH faz ensaios com mães que perderam o filho prematuramente

Apesar da dor avassaladora, mães de bebês-anjos contam como é importante registrar o encontro e a despedida



Créditos da imagem: Paula Beltrão
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Camila Saraiva
29/03/19 às 15:36
Atualizado em 01/04/19 às 14:25

“Em novembro de 2017 eu vivi uma perda gestacional com 38 semanas. Minha bebê parou de mexer do dia para a noite e logo fomos para a maternidade. A despedida foi muito rápida e eu ainda tive que ficar no mesmo andar que outras mães”. Esse é o relato da ginecologista obstetra Mônica Nardy, mãe da bebê-anjo Cecília e uma das fundadoras do grupo de apoio Colcha, que ajuda mulheres no processo de perdas gestacionais.

A fotógrafa de partos Paula Beltrão já conhecia Mônica e foi a partir desse momento que ela criou um trabalho delicado e muito importante para as mães que passam por uma dor irreparável. O ensaio de bebês natimortos ou com anomalias incompatíveis com a vida tem a missão de ajudar as mães e a família a terem o registro do encontro com o bebê, na tentativa de enfrentar o luto pela memória. 

“A foto desse estilo é de um momento lindo, que tem muita dor, mas que existe um amor incondicional ali. De um modo geral, a fotografia é importante para o luto, mas quando a gente convive por muito tempo com alguém, a imagem da pessoa na nossa vida é mais presente. Já nesses casos, o momento do nascimento do bebê é muito rápido e são muitas coisas para a mãe processar. Por isso, o registro ajuda muito a mãe a lembrar o filho que teve uma breve passagem”, explica a fotógrafa.

O ensaio com bebês que morrem na barriga ou logo após o parto por doenças é um trabalho voluntário de Paula. As mães com o diagnóstico podem procurá-la por meio do grupo Colcha, criado pela fotógrafa, pela Mônica e uma doula há quase dois anos. 

“O registro é do parto, eu faço também o carimbo do pé e coloco os dois em contato pele a pele. Eu deixo para mães uma imagem que as elas gostariam de ter do filho. Procuro fotografar o aconchego, o momento de afeto entre eles”, conta Paula. 

A psicóloga familiar Daniela Bittar, que hoje também faz parte do Colcha, explica que esse é um tema muito pouco explorado e, por isso, as mulheres ficam muito desamparadas, desde o momento do ultrassom com a notícia da anomalia até a volta da licença-maternidade. “Elas não vivem a despedida, o momento simbólico do reconhecimento do filho. Precisamos humanizar essa morte, as mulheres precisam ver, pegar a criança, viver a despedida. Um dos maiores medos que elas têm depois é de esquecer e não lembrar do rosto do filho”, detalha a psicóloga. 

Aos três meses de gestação, Fernanda Pinheiro descobriu que o Miguel tinha a Síndrome de Edwards, doença genética causada por uma trissomia do cromossomo 18, e não sobreviveria por muito tempo após o parto.  “Eu fiz um parto humanizado e consegui ficar com ele vivo por duas horas. A Paula fotografou todos os momentos. Foi um presentão pra mim, é a única lembrança que eu tenho dele. Todo dia eu vejo e me lembro do Miguel. As fotos são lindas e discretas”, conta a mãe.


Foto: Paula Beltrão

Apoio 

Em 2018, a taxa de mortalidade fetal em Minas Gerais foi de 8,7 para cada mil nascidos vivos, um total de 2.302 mortes de bebês com mais de 22 semanas de gestação. Daniela alerta que infelizmente a sociedade tem a mania de dopar essas mães durante o luto, mas é preciso vivê-lo para passar por ele. “É a maior dor da sua vida, por alguém que você nem chegou a ver? É um processo muito delicado e a primeira fase é o desespero, onde você quer morrer também. Precisamos entender a tristeza da mãe e nos sensibilizar”, orienta a profissional. 


Foi a má condução da equipe hospitalar no momento da perda do filho que alertou Mônica para a importância de elaborar o luto, registrar o momento. “Temos que dar tempo para a mulher entender o que está acontecendo e tudo isso me fez abrir os olhos e perceber como é ruim essa assistência’, revela a médica.

O grupo Colcha foi criado a partir dessa experiência para apoiar mães desde o momento do diagnóstico até todo o processo do luto, por meio de encontros frequentes onde as mães de bebês-anjos compartilham suas histórias. “Precisamos quebrar o tabu de que o melhor é a mãe não ver o filho que não sobreviveu. Isso dificulta o processo do luto e elas sofrem por ter nada para lembrar”, afirma Daniela.

“A mensagem que temos que passar é que é uma realidade que existe, o luto gestacional é um luto velado, as pessoas tendem a achar que a mãe não criou um vínculo com o filho. É um luto que a mãe vai ficar com um vazio na memória. As pessoas têm que entender que a mãe sofre muito quando perde o bebê na barriga, não ter o contato com o filho dói muito, elas se sentem muito sozinhas”, ressalta Paula.

Contatos do grupo Colcha:
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