Fome “emocional’, ou “fome de que?" é aquela que não é de comida e chega para suprir vazio que muitas pessoas sentem devido aos efeitos do isolamento social
Além de limitar nossa
liberdade de ir e vir, o isolamento social, necessário para conter a disseminação
da Covid-19, vem afetando também a qualidade da alimentação dos brasileiros.
Segundo levantamento da Consumer Insights da
Kantar, no período de 16 de março a 10 abril, em comparação ao de 17 de
fevereiro a 15 de março, houve um crescimento de 34% no consumo de sanduíches
no país. A Kantar explica, também, que as refeições mais rápidas, com preparo
de até 20 minutos, vêm sendo priorizadas dentro dos lares.
Para a nutricionista
clínica Gisele Magalhães, responsável pelo atendimento a pacientes do Cetus
Oncologia [hospital dia especializado em tratamentos oncológicos com sede em
Betim e unidades em Belo Horizonte e Contagem], essa mudança de hábito, embora
perigosa, tem uma explicação. “A
nutrição comportamental tem falado muito, neste momento, sobre a chamada ‘fome
emocional’, ou seja, uma fome que não é de comida. Ela chega, na verdade, para
suprir o vazio que muitas pessoas sentem em decorrência dos efeitos do isolamento
social”.
De acordo com Gisele, à medida em
que socializamos, convivemos com pessoas, viajamos e nos divertimos, damos vazão
aos pequenos, mas importantes, prazeres do dia a dia. Com isso o cérebro libera
dopamina, neurotransmissor que proporciona uma sensação de bem estar. “Como
estamos impedidos de sair de casa para viajar, divertir, socializar,
encontramos nos alimentos essas válvulas de escape”. É aí que mora o risco.
Isso porque quando as pessoas comem sem saber o porquê e sem fome, normalmente não o fazem
com qualidade. “Recorrem a pratos ultraprocessados, ricos em açúcar e gordura”,
completa Magalhães. Esses alimentos, por sinal, também liberam neurotransmissores
que proporcionam a sensação de prazer. “Eles acabam funcionando como uma
compensação, uma forma de suprir os hábitos gostosos que tínhamos na vida
normal, antes da pandemia”, explica.
Gisele ressalta,
porém, que o problema não é comer, obviamente, mas sim a qualidade e a forma
com a qual nos alimentamos. “Se você está com vontade de comer algo que nem
sabe o que é, pare, tente fazer algo que lhe seja
prazeroso em casa. Se a vontade estiver atrelada a fome mesmo, prefira
cozinhar, mas evite pedir. O cozinhar,
inclusive, pode até ser terapêutico. Além de fazer, você vai comer algo mais
saudável, caseiro, natural, cuja procedência é conhecida”.
Outro alerta de Gisele para este
período de quarentena, cujo término ainda é incerto, é quanto ao aumento do
consumo de álcool. E a preocupação faz sentido, afinal segundo a Associação Brasileira
de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), houve um crescimento de 38% na
venda de bebidas alcoólicas nas distribuidoras e 27% nas lojas de conveniência
do país desde que o isolamento social começou.
Para a nutricionista, a explicação
pela busca das bebidas também se assemelha ao desejo pelos alimentos calóricos.
“O álcool entorpece, nos tira, mesmo que forma paliativa, desta realidade
insana que estamos vivendo. Esse entorpecimento faz com que as pessoas suportem
esse momento”.
Entretanto, a especialista faz
questão de enfatizar que o aumento deste tipo de consumo pode provocar uma série
de danos à saúde: doenças no fígado, queda da imunidade, desidratação. “Isso
sem falar que o álcool não é alimento, mas sim droga, sem prescrição médica”.
Ainda segundo Magalhães, a pessoa
que faz questão de beber, deve saber que não existe dose segura. “Algumas
medidas, porém, podem minimizar os danos deste hábito: alimente-se antes, não
esqueça de beber água e, principalmente, evite consumir álcool todos os dias da
semana. O ideal, porém, é tentar buscar outras atividades que não apenas comer
e beber desenfreadamente. Vale a pena, por exemplo, descobrir coisas simples do
dia a dia, capazes de nos deixarem mais alegres. Uma hidratação mais intensa
nos cabelos, na hora do banho, uma série leve na TV, um livro que seja agradável,
brincar com os filhos. Quando a fome é emocional, fome de solidão, de saudade, é
fundamental buscarmos outras válvulas de escape e compreendermos que este período,
felizmente, vai passar”.