Em entrevista exclusiva ao Sou BH, Samuel Rosa analisa carreira e descreve sua experiência com os desafios da quarentena
De 1991 para cá, muitas coisas aconteceram na vida
de Samuel Rosa (voz e guitarra), Henrique Portugal (teclado e violão), Lelo
Zaneti (baixo) e Haroldo Ferretti (bateria) – mas nenhuma delas foram mil
acasos. Ao contrário, o quarteto mineiro se uniu com um propósito claro: viver
de música. Desde o primeiro momento, organizaram as ideias e caíram na estrada
fugindo do clichê de que toda banda precisa começar de um jeito adolescente
para crescer. Não! Com esses quatro o foco era claro: encarar com energia, respeito,
som e valentia, o que viesse pela frente: desde a estrada, até público,
gravadoras e os palcos. O Sou BH traz uma entrevista exclusiva e especial com
gigante da música nacional, dono de um passado de ouro, um presente desafiador
e um futuro instigante pela frente.
Sou BH: Para você, qual “mix” de sentimentos tem feito
parte de sua rotina/dia a dia, durante a quarentena?
R: De fato, o atual momento mobilizou muita coisa
diferente. São muitas descobertas e aprendizados diários. A pandemia vem
testando a nossa capacidade de adaptação. Nesses contextos de dificuldades e de
limites, somos testados o tempo inteiro, e vem aí o nosso poder de adaptação, e
que muitas vezes sequer temos conhecimento dele. Nós estamos confinados, em
quarentena, e somos também, enquanto músicos, os últimos da fila a retomarmos o
trabalho, já que é imperativo ter aglomerações. Assim, penso que esse tipo de
situação é algo praticamente “apocalíptico”, uma vez que não imaginávamos
passar por isso nessa “vinda à Terra”, e o que eu tenho buscado fazer são as
pequenas coisas simples da rotina, que na correria do dia a dia não conseguia
fazer, como ver filmes, ler livros e mesmo me arriscar na cozinha – não só
lavando louças (risos), como também dando alguns pitacos. Temos dias de muitas
dificuldades e angústia, por não podermos sair ou exercer a profissão da forma
corriqueira, mas em outros dias acabo conseguindo relaxar e ficar feliz. É de
fato um mix de sentimentos.
Sou BH: Em sua opinião, o presente momento do país é
desafiador em quais aspectos, para a sociedade?
R: O nosso país nunca passou por grandes guerras ou
períodos de grandes catástrofes, fora da curva, nos últimos tempos, e somos um
país em busca de unidade. O cidadão brasileiro precisa aprender mais sobre o
que é o coletivo e o que é pensar no outro. É um momento de aprendermos isso,
mas é incrível como ainda há quem relute e busque olhar de forma
individualista, para o próprio umbigo e para os próprios negócios, sem pensar
no outro. Mesmo nessa Era “Supersônica”, em que tudo é tecnológico e rápido
demais, precisamos nos lembrar que somos vulneráveis e precisamos ver que o que
aflinge o próximo aflinge o coletivo, ainda mais quando o mundo todo está
lidando com isso. Precisamos ser uma comunidade só e estarmos mais unidos, em momentos
assim. Mais humildade e pé no chão, pois não somos tudo aquilo que imaginamos
que somos. Precisamos seguir regras e temos uma cultura do “podemos tudo, na
hora que queremos”. Entre os menos favorecidos, é até compreensível, pois o
Estado oferece pouco; é baixa educação, baixa qualidade na saúde… mas entre
as classes mais abastadas, é uma boa hora para aprender a participar “do todo”,
no sentimento de união e coletivismo.
Sou BH: Do ponto de vista artístico, o que você espera
viver e sentir na turnê de Despedida, com o Skank?
R: A nossa turnê foi interrompida e era muito
promissora, pois várias praças já estavam com datas esgotadas, e muitas vezes
até em mais de uma noite. Acho que seria uma turnê muito divertida, pela adesão
popular que vinha tendo, mas penso que não foi cancelada, e sim adiada. Espero
continuar vivendo, nos shows, aquilo que vivi nos últimos 30 anos. Somos uma
banda muito harmônica, que na medida do possível, convive muito bem. Não há uma
grande ruptura ou um grande fato de desentendimento que justifique a parada. Ao
contrário, ambições diferentes e mais plurais. Uma vontade de mudança. Todo
mundo quer, em algum momento, novos desafios. Então é isso. Não é o final da
banda. Se for do interesse de todos, retomaremos lá na frente. É meramente uma
questão de experimentar, e o Skank nunca renunciou a mudanças. Basta ver nossos
discos, que vão se modificando ao longo do tempo. A turnê de Despedida ainda
vai acontecer, será divertida e espero que possamos fazer história e celebrar
esses anos todos. E na sequência, que cada um descanse e se dedique em novos
projetos.
Sou BH: O Skank é uma das raras bandas brasileiras que
angariou diferentes gerações e se manteve, no topo, de forma ininterrupta. A
que conjunto de fatores se deve esse sucesso constante e sólido?
R: Explicar o êxito pelas paradas de sucesso é algo
complexo. Eu sempre aspirei que o Skank tivesse um trabalho relevante,
interessante e digno; que a gente pudesse ter uma obra que, após um longo
período, pudéssemos olhar para trás e reconhecermos importância no que fizemos,
além de uma sensação de ter ajudado a cultura e ter feito bem às pessoas de
diferentes gerações. Essa era a minha expectativa e, olhando para o retrovisor,
acho que a gente atingiu isso. Em alguns momentos com mais êxito, em outros
menos, nesse quesito de nos surpreender e de termos feito coisas que nos
orgulhamos, mas foi a nossa tentativa. O Skank fez o que poderia fazer. Acho
que é um trabalho, modéstia a parte, que merece respeito e, além da sorte, o
nosso resultado veio da dedicação, do carinho com o trabalho, da nossa coragem
e da nossa inquietação.
Sou BH: A sequência da sua carreira revela quais possíveis
capítulos? O que espera construir em sua trajetória solo?
R: Espero ser tão feliz e realizado como fui durante esses 30 anos com o
Skank. Quero sentir de novo o gostinho do recomeço e da mudança. Correr riscos,
para mim, é uma questão de sobrevivência. Quero sentir medo, dúvida,
curiosidade, o frio na barriga e, claro, fazer com que tudo isso resulte em música
boa.