Do Centro ao Santa Tereza, ruas da capital ajudam a contar a trajetória do movimento que revolucionou a música brasileira
A famosa esquina que inspirou o nome do grupo está localizada no bairro Santa Tereza, no encontro das ruas Divinópolis e Paraisópolis
Os versos de “Clube da Esquina nº 1” ainda povoam as ladeiras e calçadas (ou melhor, passeios) de Belo Horizonte: “Noite chegou outra vez / De novo na esquina / Os homens estão”. Eles sintetizam um movimento nascido nas e das ruas, amizades e inquietação criativa de jovens que transformaram a vida mineira em poesia universal.
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Na virada dos anos 1960, Belo Horizonte era uma cidade em expansão. Provinciana, mas pulsante. Entre o Centro e o bairro Santa Tereza, uma geração de músicos começava a desenhar um novo mapa sonoro do Brasil. Milton “Bituca” Nascimento, recém-chegado de Três Pontas, encontrou no Edifício Levy, localizado na Avenida Amazonas, 718, o abrigo e os parceiros com quem faria história: os irmãos Borges. A família se instalou no prédio em 1963, enquanto sua casa, a quarteirões dali, era reformada.
Bituca já era amigo de Wagner Tiso, e foi ele quem apresentou os novos companheiros. No Levy, entre visitas, idas à padaria e ensaios improvisados, formou-se o núcleo do que mais tarde seria chamado de Clube da Esquina.
Com o fim da reforma, os Borges voltaram para Santa Tereza e muitos dos encontros dos rapazes passaram a acontecer ao ar livre, nas esquinas do bairro, em especial no cruzamento das ruas Divinópolis e Paraisópolis.
O nome do grupo veio de Dona Maricota, mãe dos irmãos Borges, que carinhosamente apelidou as reuniões dos meninos na esquina. Uma brincadeira também com os clubes sociais da capital mineira da década de 1960, espaços elegantes e fechados que contrastavam com a informalidade da calçada.
Lô Borges conta, entretanto, que há nessa história muito de mito — eles se reuniam com mais frequência na casa da família, na de Fernando Brant ou em um bar chamado Saloon, no Centro. O estabelecimento ficava na Rua Rio de Janeiro, 1027, em frente ao atual Sesc Palladium (antigo Cine Palladium). Dos encontros brotaram harmonias de jazz, guitarras inspiradas nos Beatles, letras sobre fé, amizade e resistência política.
O passo seguinte foi transformar aquela experiência coletiva em um álbum. Em 1972, o disco “Clube da Esquina” foi lançado pela EMI-Odeon. Gravado no Rio de Janeiro, o álbum levou para o estúdio a energia dos encontros de Belo Horizonte.
Ao lado de Milton e Lô, estavam Beto Guedes, Toninho Horta, Wagner Tiso, Fernando Brant e tantos outros músicos que, à sua maneira, traduziram a alma das coisas mineiras. O disco duplo conquistou o país, ainda que a crítica da época o recebesse com certa desconfiança. Hoje, é considerado uma obra-prima em todo o mundo.
Mais de meio século depois, o ponto de encontro original foi revitalizado. A casa situada no cruzamento das ruas Paraisópolis e Divinópolis, em Santa Tereza, foi reformada e transformada em um espaço de coworking que homenageia o passado musical do bairro. A fachada agora tem novas cores, um banco foi instalado no local exato onde os jovens se reuniam, e a Paraisópolis ganhou uma “calçada da fama” com os nomes dos artistas que fizeram parte do movimento.