Natural do sertão baiano e radicada em Belo Horizonte, artista apresenta quatro faixas no EP, que chega às plataformas digitais no dia 16 de setembro
“A arte é uma ponte que liga os vários abismos que nos separam”, reflete a cantora, compositora, poeta e musicista Coral. De fato, a baiana natural de Jequié, radicada em Belo Horizonte, sintetiza em sua expressão artística e em seu corpo político uma poderosa ponte. Firme, mas nem por isso linear, óbvia, retilínea. Ponte que, feita de arte, afeto e luta, passa por sob os abismos do obscurantismo, da LGBTfobia, das barreiras geográficas e das amarras sociais. Uma ponte de peles e sentidos, que traduz vivências e reflexões de uma jovem nordestina, trans não binária, através de sua música autoral, carregada de contemporaneidade e reverência ao ancestral.
Ao fazer-se ligação entre pontas soltas, Coral desconstrói o elitismo musical dos incautos, provoca sensações sinestésicas transformadoras, gera reflexões que urgem, encurta passagens e abre caminhos – ora sinuosos, ora dançantes. Essa pujante ponte musical que é Coral está prestes a desembocar em seu EP de estreia, “Carne”, que chega às plataformas digitais no dia 16 deste mês. Na mesma data, acontece o lançamento do videoclipe de uma das faixas do trabalho, “Tá me Entendendo, Pai?”, no YouTube.
“Carne” traz quatro músicas assinadas por Coral, gravadas no estúdio 1som, em BH, entre 2020 e este ano, no contexto conturbado da pandemia da Covid-19. As canções foram produzidas junto aos artistas que integram a banda da baiana e têm trabalhado com ela desde sua chegada a Belo Horizonte, em 2019: Pedro Fonseca (baixo), Max Teixeira (voz e violão) e Dudu Amendoeira (teclado e piano). A masterização é de Lucas Sagaz e, a mixagem, de Thiago Braga (que assina a produção musical dos álbuns do rapper Djonga e foi indicado para o Grammy pelo trabalho com o Pato Fu). “É um EP mais soturno, que traz canções com beats. Então, tem muitos elementos eletrônicos. Talvez por isso haja uma unidade sonora, mas a atmosfera de cada faixa é única. Uma é mais sensual, outra é mais pesada; uma é mais como uma oração, outra é um pouco mais solar”, afirma a artista.
As músicas são resultado da condição imersiva à qual Coral foi colocada em função da pandemia, que provocou reflexões como por exemplo sobre as múltiplas potências simbólicas da carne. “Apesar de o nome sugerir algo orgânico, diz também da embalagem, no sentido do que se veste, do que carrega a alma. Como se fosse um refil. É óbvio que questiono o gênero, como o estereótipo de gênero que pode estar ligado a essa embalagem, à forma que essa carne é posta no mundo. Mas, sobretudo, digo do resto que atravessa essa carne. O meio em que o refil está inserido, para além do próprio refil”, explica. “Isso me invade, pessoalmente, porque eu sou uma pessoa trans não binária e, assim sendo, estou na busca constante por uma embalagem que me caiba, onde não existe essa embalagem”.
Estética, identidade visual e videoclipe
Para Coral, a arte é uma “maneira eficaz de construir e desconstruir os modelos impostos no dia a dia”. “A arte se torna uma ferramenta potente, senão a mais potente e eficaz, para a consolidação da empatia. Com a arte, é possível que as pessoas se identifiquem umas com as outras, diminuindo, assim, muitos abismos sociais”, reflete a artista, ressaltando que as músicas e a criação visual do EP tratam do que a carne poeticamente pode sentir no sentido físico, político, espiritual e sensorial.
“Estética e musicalmente, o EP é um grande mosaico de referências autobiográficas, no sentido de observar o mundo, de sentir as coisas que a carne pode nos proporcionar. Também é fruto de uma pesquisa de símbolos e de signos da moda, feita pela stylist e artista visual Natasha Ribas e a figurinista Olivia Lodi, que ressignificam o vermelho, essa cor que brota da moda brasileira e se insere dentro da discussão dos gêneros. Outra vertente da estética é a pesquisa de design e a identidade visual criada pelo ESTUDIO CRU”, completa.
A parceria entre ESTUDIO CRU, Natasha Ribas e Olivia Lodi norteia o videoclipe de “Tá me Entendendo, Pai?”, cartão de visitas visual de “Carne”. Com direção de Thiago Nascimento, o vídeo apresenta a nova persona de Coral. “O clipe mostra o território onde eu me vejo agora. É uma imagem subjetiva do mundo ao meu redor. Através da encenação, do roteiro, do figurino, do elenco, dos objetos, do cenário, e da própria música e letra, vou me apropriando desse território”, destaca Coral. “Na narrativa, me apresento como uma figura de empoderamento, de realeza, dentro desse espaço. E vou me deparando com questões subjetivas que também o compõem. O clipe é, ainda, uma expressão irônica do nosso tempo, uma crítica do que estamos vivendo”.
Sobre Coral
Coral é poeta, cantora, compositora, intérprete e musicista de Jequié (BA), com mais de 15 anos de carreira na música. Hoje, morando e trabalhando em Belo Horizonte (MG), Coral é um expoente significativo da cena musical independente, o que se comprova pelas suas participações recentes em festivais como Transborda, Novas Trilhas, Luzes da Liberdade, Música Mundo, Sarará e DDM Barreiro, todos com produção em Belo Horizonte; Festival de Jazz de Trancoso, na Bahia; e Festival de Solos, com produção em Campinas-SP. Em 2020, apresentou seu repertório autoral em um show no Minas Tênis Clube, em BH, e foi contemplada pelo edital da Natura Musical. Em cena, Coral recria diversos ritmos como samba, maracatu, coco, reggae, ijexá, funk, MPB e pop, emoldurando uma poesia engajada e potente a partir de seu lugar como artista e pessoa trans não binária.