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Fechando ciclos: meu último show do Sepultura

Lucas Buzatti Faria compartilha suas memórias e experiências na apresentação em BH da turnê de despedida da maior banda brasileira de metal de todos os tempos



Créditos da imagem: Alexandre Guzanshe/EM/D.A press
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A lendária banda Sepultura iniciou sua turnê de despedida em Belo Horizonte, na última sexta (1/3), celebrando quatro décadas de uma trajetória marcante no metal
Lucas Buzatti Faria
02/03 às 14:12
Atualizado em 02/03 às 14:28

De antemão, preciso avisar, em negrito e vocal gutural, que esta não é uma resenha típica de show, daquelas que contam como estavam energia e desempenho da banda, repassam repertório, relembram motivo da turnê, dizem do público e do ambiente, avaliam som e estrutura, coisa e tal. Não que eu deixe isso de lado, mas este texto, digamos, está mais para uma colcha de retalhos de memórias pessoais costurada pela apresentação de ontem. O fiar final de uma história de encontros entre fã e banda – meu último show do Sepultura.

Sepultura em Belo Horizonte: turnê de despedida e celebração de 40 Anos

Meu e de tantos outros headbangers, que lotaram a "Arena Hell" nessa sexta-feira (1/3) à noite para assistir à primeira apresentação da turnê de despedida da maior banda brasileira de metal de todos os tempos, que também celebra 40 anos de história. Grupo esse que foi o maior fenômeno musical de Minas Gerais depois do Clube da Esquina e um dos maiores a nascer no berço esplêndido brasileiro – que se doam os incautos de autoproclamados ouvidos finos, perdidos no elitismo musical de seus discursos demodês. Quem sabe da magnitude do Sepultura estava ali, transbordando a arena, que esgotou ingressos


Foto: Lucas Buzatti Faria

Camisas-preta de todas as gerações – de ícones dos primórdios do Sepultura passeando pelo público, como o ex-integrante e ex-faz-tudo Sílvio “Bibica” Gomes; aos mais “novinhos”, como o próprio recém-chegado baterista Greyson Nekrutman, que conseguiu aos 45 do segundo tempo honrar a suada missão de substituir Eloy Casagrande. Ao que pese aquela estranha derrapada em “Ratamahatta”, o jovem norte-americano arrebentou e fez valer seu lugar ao lado dos outros três ícones do metal. 

Reflexões sobre o fim e a primeira pá de cal

Fiquei mesmo viajando nessa onda “Dark”, do “início é o fim e o fim é o início”. Essa coisa de fechar ciclos, que o Eloy Casagrande citou na nota que publicou sobre a treta de sua saída – e que também dá o tom da "Celebrating Life Through Death”, certo? Afinal, trata-se de uma despedida. Curta, para nós; longa, para eles, já que são 18 meses de turnê, por 40 cidades diferentes da América Latina e dos Estados Unidos. As despedidas podem ter os mais diferentes jeitos.

No caso do Sepultura, uma “morte consciente e planejada”, como disse a banda na coletiva de divulgação. O show de ontem foi apenas a primeira pá de cal. O Sepultura entregou a BH um último encontro enérgico, pra cima, com várias pedradas; mas sem tanta emoção, sem participações, com um som que embolava os graves e às vezes virava uma grande massa sonora, e um repertório polêmico que deixou de fora músicas alguns clássicos. Claro, é um set de show de despedida, certamente vão reclamar que faltou música X ou Y, mas “Inner Self” parecia queixa unânime entre os fãs. 

Entre fã e jornalista

Foi louco me despedir da banda que eu já mais assisti a shows na vida até hoje. Somando ontem, por fora, se a memória não pegar, foram 11 shows. E aí vem de novo a parada do ciclo, do oroboro: há 25 anos eu vi meu primeiro show do Sepultura, que foi também a primeira apresentação da banda com o vocalista Derrick Green em Belo Horizonte, após a saída de Max Cavalera (turnê do “Against”, em 1999, Serraria Souza Pinto). Eu tinha 11 anos, ia aos shows com meu pai, aquele foi o terceiro da minha vida. Lembro até hoje da sensação de ver os caras no palco, os Quatro Cavaleiros do Apocalipse pós-“Roots”, lançando o primeiro disco daquela fase. Re-existindo e quebrando tudo. 

Eu uma era criança metaleira totalmente xiita com Max e Iggor, da turma dos que nunca viu show do Sepultura com os dois irmãos, aprendendo a gostar de Derrick. Mas lembro-me que fiquei impressionado quando o vi cantando, aquela primeira vez, na Serraria. E depois fiquei de novo, tantas outras. Sei lá por que, meu pai foi chamado para uma “pelada” beneficente do Reinaldo, que rolava com integrantes do Skank e do Sepultura, um lance assim. Aconteceu no dia seguinte ao show. Fiz foi infiltrar meu CD do “Against”, para ele pedir aos caras para autografarem. A missão deu certo e guardo o disco com carinho, assim como umas fotos engraçadas que o velho fez. 


Foto: Lucas Buzatti Faria

Nós éramos empolgadões, eu e o João Renato Faria, meu primo, amigo e também jornalista. Ainda em 99, o João comprou uma revista grandona, que tinha uma reportagem de duas páginas com o Sepultura. A matéria tinha uma foto do Paulo, de uma carteirinha, acho que de clube. Aparecia o nome da mãe dele, que nós fomos buscar no catálogo de telefones. Achamos e ligamos, na esperança de, sei lá, de ouvir a voz do cara. A senhora, educadíssima, me atendeu e disse que ele não estava por ali, que não morava mais lá, que estavam em turnê, mas que direto a visitava e que tinha achado muito legal a atitude, para voltar a ligar – o que nunca mais fizemos, claro. Quando André Barcinski e Sílvio Gomes lançaram “Sepultura – Toda a história”, no mesmo ano, enfrentamos uma fila quilométrica de mais de uma hora, só nós dois de crianças, para pegar o autógrafo de Andreas e tentar tirar uma foto (e, para coroar, a câmera deu problema na hora).

Foto: Lucas Buzatti Faria

Mal imaginava que, décadas depois, jornalista, eu entrevistaria quase todos os membros da banda, em diferentes ocasiões, para diferentes matérias, de diferentes jornais e portais onde trabalhei. No último show, mesmo, eu fiz matéria. Entrevistei Paulo. Curiosamente, para as últimas matérias que fiz entrevistei Paulo. Aquele mesmo baixista para quem tentamos ligar, pelo catálogo de telefone, lá na infância. Já entrevistei Max, por telefone, também. Esses momentos malucos da vida, que fã e profissional se embolam.  

Vivências pessoais e a trajetória do Sepultura

Ver os três remanescentes do Sepultura entoarem parte do hinário da maior do metal nacional me fez recordar os tantos shows da banda que eu assisti, a começar pelo do Rock in Rio, em 2001, quando meu pai também me levou para ver pela o Iron Maiden pela primeira vez. Nunca vou me esquecer da roda gigantesca no show do Sepultura. Derrick com a bandana da Sepulnation cobrindo o rosto: “Sepultura-do-Bra-sil... um, dois, três, quatro!”, quando começa “Roots”, a primeira do show, e aquele mosh gigantesco se abre, levantando uma poeira desértica sob a noite do Rio de Janeiro. 


Foto: Lucas Buzatti Faria

Depois, vieram Pop Rock, em 2002; Chevrolet Hall, em 2004 e 2007 (o último show com Igor Cavalera (foto acima) em BH, turnê de “Dante XXI”); abrindo para o Slipknot, em São Paulo, em 2005; no Porão do Rock, em Brasília, em 2009; abrindo para o Metallica, no Morumbi, em São Paulo, em 2010; em BH, em 2011, com o Almah; e também em BH, em 2014, celebrando os trinta anos de banda. E ontem, fechando a tampa do caixão, o último dos últimos na capital mineira. Imagino. Um show cheio de “Roots” e “Chaos AD” (que eu amo), e que dá uma passada geral nos outros discos, tanto os antigos quanto os da fase Derrick, praticamente uma música para cada, deixando “Beneath the Remains” para fora. Uma passada que podia ser melhor pensada... mas vá lá! Coisa de fã. O importante foi assistir a mais um show do Sepultura por aqui – afinal, já se passavam dez anos. 

Um legado que transcende gerações

Como eu disse a você, lá em cima, este texto não se propunha a ser uma resenha, daquelas, tradicionais. Está mais para uma digressão sobre a relação deste fã jornalista com a banda que ele viu ontem, pela última vez. A tal banda que morreu, que está morrendo; o Sepultura. Que transformou a música pesada mundial, que levou o nome do Brasil e de BH para os quatro continentes, que gravou discos históricos. Que fez crianças e adolescentes começarem a gostar de música e a tocarem instrumentos mundo afora, que fez muitos acreditarem que era possível chegar e também a seguir. E que agora ensina a maturidade de saber parar. Descanse em paz, Sepultura. Obrigado por tudo!