Poema de Drummond sobre o fechamento do Cinema Odeon, em BH, virou tema de prova e revela como memória urbana, afeto e perda marcam sua obra
Fachada histórica do antigo Cinema Odeon, na Rua da Bahia, símbolo da era das primeiras salas de exibição em Belo Horizonte
O fechamento de cinemas históricos em Belo Horizonte não é um fenômeno recente. Muito antes de os debates sobre preservação cultural ganharem força, Carlos Drummond de Andrade já lamentava esse processo. Em 1928, o poeta mineiro transformou em literatura o fim do Cinema Odeon, uma das primeiras salas de exibição da capital e um marco da vida cultural da cidade.
Essa relação entre memória urbana e experiência individual é tão evidente que, décadas depois, virou tema de prova: uma questão da UnB, em 2009, destacou como o poeta mistura imagens da cidade, crenças e afetos para construir O fim das coisas, e considerou essa afirmação correta.
Leia também:
Localizado no nº 870 da Rua da Bahia, o Odeon foi inaugurado como Teatro Paris em 1906 e passou a se chamar Cinema Odeon em 1912. Entre matinês disputadas, orquestras ao vivo, cinejornais e faroestes, tornou-se um dos principais espaços de sociabilidade de BH.
Quando encerrou as atividades, em janeiro de 1928, deixou um vazio cultural, e afetivo, entre seus frequentadores. Drummond era um deles.
No poema O fim das coisas, Drummond lamenta o fechamento do Odeon e recusa a modernização representada pelo Cinema Glória. Ele reivindica o direito de preservar o espaço que moldou sua juventude: pequeno, “fora de moda”, mas carregado de sentido.
Ao relembrar a fila, as sessões, a orquestra e até as fantasias adolescentes, o poeta transforma o cinema em símbolo. Essa fusão de memória, sonho e experiência é justamente o ponto destacado pela questão da UnB de 2009: para Drummond, a cidade não é cenário, e sim extensão de sua subjetividade.
A relação entre o poeta e Minas Gerais também ajuda a explicar o impacto emocional da perda do Odeon. Mesmo distante, Drummond sempre retornou a Minas como fonte de identidade literária. É do estado que ele extrai temas como tempo, infância, modernização e nostalgia.
Por isso, o desaparecimento de um cinema belo-horizontino não se limita ao cotidiano urbano: expressa o choque entre permanência e mudança, um dos eixos centrais de sua obra.
Ao lamentar o fechamento do Odeon, Drummond antecipa uma discussão que ainda ressoa em Belo Horizonte: a substituição de espaços culturais por novos empreendimentos. A capital viu o surgimento e o desaparecimento de diversas salas ao longo das décadas, transformando a relação da população com o cinema.
Esse ciclo constante reforça a atualidade do poema e sua capacidade de dialogar com a memória coletiva.
Mesmo desaparecido, o Odeon sobrevive graças à literatura. Drummond garantiu que o cinema seguisse presente no imaginário da cidade, mostrando que espaços culturais não se apagam completamente quando são demolidos, eles se preservam nas lembranças, nos relatos e na poesia.