Entrevista Especial

Tenho uma mineirice de alma, conta Zezé Polessa

Em entrevista exclusiva ao Sou BH, atriz relembra fatos que marcaram a carreira e fala sobre seu espetáculo atual: Não sou feliz, mas tenho marido


Créditos da imagem: Divulgação

Júnior de Castro

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25/07/20 às 12:00
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“É crua a vida. Alça de tripa e metal. Nela
despenco: pedra mórula ferida. É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua. Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me No
estreito-pouco. Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida. Tua unha
plúmbea, meu casaco rosso. E perambulamos de coturno pela rua. Rubras, góticas,
altas de corpo e copos. A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos. E pode
ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima Olho d’água, bebida. A vida é
líquida”. O poema de Hilda Hilst, da série “Alcoólicas”, dá luz à nossa
entrevistada de hoje. Zezé Polessa se apresenta neste sábado, dia 25, dentro do
projeto “Palco Instituto Unimed-BH em Casa”, com transmissão simultânea e
gratuita pelos canais Sesc em Minas e Teatro Claro Rio, no YouTube, e no Canal
500 da Claro na TV a cabo.

Mas, antes de falarmos sobre o espetáculo,
viajamos pela vida e pela carreira de Zezé, que abriu nosso papo contando sobre
o início de seu encantamento pelo ofício de ser artista. “Ainda antes de saber
que seria atriz, aos 14 anos, fui ao Teatro João Caetano assistir uma montagem
de Galileu Galilei. Eu me lembro de ter amado, de ter ficado na beirinha da
cadeira (para se sentir mais próxima do palco) e me recordo muito do Cláudio
Correia e Castro no espetáculo. Inclusive, depois que o conheci, um dia disse a
ele que achava que tinha me tornado atriz por causa dele”, conta.

Muito embora já tivesse formado o desejo
artístico, Polessa também cursou medicina por escolha própria. “Claro que
existia um universo familiar onde seguir uma carreira tradicional era
importante. Então, escolhi a medicina por vários motivos, queria salvar as
pessoas, ajudá-las, ajudar ao mundo. Mas, no meio da faculdade, percebi que
seria difícil para eu encontrar satisfação, alegria ou mesmo sentido naquele
trabalho”, relembra Zezé que, mesmo decidida a não seguir àquela carreira,
concluiu o curso. “Meu pai achava que eu devia isso ao país e eu concordei. Aí,
quando me formei entreguei o diploma pra ele e fui seguir minha carreira de
atriz”, completa.

Já formada e livre para descobrir novos sonhos,
Zezé participou de uma montagem da obra O Despertar da Primavera – que viria a
ser um divisor de águas em sua vida. “Montamos um grupo para esse espetáculo.
Havia o Daniel Dantas, com quem me casei e tive um filho, Miguel Falabella,
Maria Padilha, Rosane Gofman, além de outras pessoas incríveis. E foi nesse
momento, nessa peça, que finquei meu pé e minha alma no palco”, explica.

Na TV, inúmeros trabalhos fazem parte do
currículo da atriz. Contudo, a minissérie Memorial de Maria Moura marcou um
grande desafio. “Esse trabalho foi muito surpreendente pra mim. Eu tinha feito
a Naná, na novela Top Model, com muita dificuldade com o tipo de veículo (TV).
Então, apesar de ter 10 anos no Teatro, ter ganhado vários prêmios, ninguém
acreditava muito. Aí, o Roberto Faria, diretor, me convidou e eu fiz um teste.
Passei, fui escolhida e descobri o que era ser uma antagonista, era uma
personagem grande. Foi muito bom, foi muito interessante saber que poderia
fazer um personagem como aquele”, orgulha-se.

Outra grande satisfação de Polessa é ter
conhecido a poeta, ficcionista, cronista e dramaturga Hilda Hilst, a quem aprecia
as obras e não esconde o desejo de querer contá-las no Teatro. “Hilda Hilst é
uma escritora maravilhosa e tem um universo simbólico, estético e conceitual
que admiro e me identifico. E o fato de tê-la conhecido, pra mim, foi um
encontro muito forte, muito íntimo. Foi muito importante como artista, como
mulher. E, quem sabe, daqui a pouco, estar trabalhando seus textos?”,
reverbera.

Enquanto Hilst ainda é um desejo, “Não sou
feliz, mas tenho marido”, espetáculo apresentado hoje, on-line, é uma
realidade. Após 10 anos da primeira montagem, a atriz chega ao público em um
formato totalmente diferente. “Por causa da pandemia, a gente também resolveu
adaptar o texto. Há 10 anos, a personagem que interpreto lançava um livro, na
apresentação de agora ela está na décima edição de sua obra. E, a partir disso,
também pensei nos casais que estão trancados em casa, redescobrindo a boa
convivência, o respeito, a busca pela igualdade e, claro, outros que estão
sofrendo com essa consequência. Meu desejo é contribuir com esses casais que
estão “quarentenários” em casa”, detalha.

Por fim, Zezé também comentou sobre sua
afinidade com Minas Gerais. A atriz, a título de curiosidade, é a voz que da
vida a sala “Histórias de Belo Horizonte” no Memorial Minas Gerais Vale. “Tenho
uma relação muito amorosa com as cidades, com as pessoas, com os lugares. Sempre
fui muito feliz com o teatro aí e Belo Horizonte é uma cidade que chama a
gente. Talvez, BH seja minha segunda cidade. Tenho uma mineirice de alma”,
conclui.