Mostra resgata personagens e histórias de intolerância ao fazer artístico da performance travesti
O dia 27 de novembro de 1966 entrou para o calendário mineiro como uma data de celebração da memória LGBTI+. No último domingo do 11º mês daquele ano, depois de muita perseguição, preconceito e ameaças de prisão, era realizado o primeiro concurso Miss Travesti em Minas Gerais. Ao reunir dez travestis no palco da boate Cavalo Branco, onde o júri decidiria qual delas teria a melhor performance, o evento acabou frequentando as páginas dos jornais da então provinciana capital mineira. Passados exatos 55 anos, é hora de celebrar esse marco da história LGBTI+ local. Esse é objetivo da exposição “Entre gritinhos e emoções: 55 anos de Miss Travesti Minas Gerais em Belo Horizonte”. Realizada pelo Museu Bajubá, a mostra virtual tem visitação gratuita e pode ser conferida em museubajuba.org.
Ao longo de oito salas expositivas virtuais, o visitante tem acesso, até o dia 31 de março de 2021, a um acervo de imagens e textos que apresentam o contexto da época. Para além do fato histórico em Belo Horizonte, a exposição também contextualiza momentos importantes da prática da montação, como as performances na mítica Galeria Alaska e o memorável show Les Girls, ambos no Rio de Janeiro, entre outros.
“Celebrar os 55 anos do primeiro concurso Miss Travesti Minas Gerais é prestar homenagem a uma cultura que resiste e se transforma ao longo do tempo”, avalia Luiz Morando, pesquisador sobre memória LGBTI+ e curador da mostra. Além da impertinência policial, as travestis sofreram com a forma pejorativa com a qual a imprensa tratava o assunto. “A perspectiva adotada era abordar com exotismo e desqualificação”, diz Morando.
Uma das personagens de destaque da mostra é Sofia de Carlo, a travesti de 19 anos que foi a grande vencedora da edição inaugural do concurso. Após a vitória, Sofia tornou-se figura emblemática da noite belo-horizontina e assumiu a direção artística de várias casas noturnas da cidade. Ela também era conhecida por seu ofício de cabeleireira e maquiadora em salões de beleza que atendiam a elite da época. Sofia morreu em 2006. “Ela foi uma espécie de liderança reconhecida até os anos 1970/80”, lembra o curador.
A partir do primeiro concurso, uma sequência de outros eventos do gênero ocorreu em BH, o que garantiu posterior visibilidade e até certo grau de liberdade, conforme contextualiza Morando. “Por outro lado, a experiência de persistência entre 1961 e 1966 demonstra que já havia uma rede de homossexuais e de travestis em Belo Horizonte que se montavam e participavam desses eventos”, diz. No entanto, em 1968 houve um recrudescimento da repressão provocada pela ditadura militar no Brasil. Com isso, a censura voltou a impedir a realização dos encontros. Houve resposta das artistas, que organizaram tentativas clandestinas, mas a ameaça de prisão era perigo constante. Naquele ano, o então secretário de Segurança Pública, Joaquim Ferreira, assegurou que a polícia receberia os manifestantes com “cassetetes tamanho família”.
Além de casas noturnas, as praças públicas na região central de Belo Horizonte passaram a ser alvos frequentes de operações policiais, que visavam encerrar qualquer tentativa de mobilização artística travesti. As praças Sete de Setembro, Rio Branco, Rui Barbosa, Raul Soares e Vaz de Melo eram os locais preferidos pela polícia. A intenção era impedir manifestações públicas de comportamentos considerados “fora do padrão”.
O Parque Municipal era outro local de busca cotidiana. Por ali eram realizados encontros de travestis, chamadas pela imprensa da época de “tipos estranhos” e “delinquentes juvenis que vêm provocando uma verdadeira inversão dos costumes”.
Serviço
Exposição: “Entre gritinhos e emoções: 55 anos de Miss Travesti Minas Gerais em Belo Horizonte”
Até 31 de março de 2022
online e gratuita
museubajuba.org