História do Grande Hotel mostra como um endereço marcou gerações, do antigo símbolo da modernidade mineira ao efervescente Conjunto Maletta
Terreno onde foi erguido o Maletta já abrigou o Grande Hotel
Antes de se tornar o conhecido Conjunto Arcângelo Maletta — ícone da boemia e da vida cultural de Belo Horizonte — o prédio que ocupa a esquina da Rua da Bahia com a Avenida Augusto de Lima abrigou um dos endereços mais importantes da história da capital: o Grande Hotel. Inaugurado em 1897, poucos meses antes da própria abertura oficial da cidade planejada, o espaço funcionou, durante décadas, como a principal porta de entrada para visitantes ilustres, políticos influentes e nomes centrais da arte brasileira.
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A partir de 1918, quando o imigrante italiano Arcângelo Maletta comprou o empreendimento por 300 contos de réis, o hotel entrou em uma fase de grande efervescência. Maletta ampliou a estrutura, investiu no famoso “Bar do Grande Hotel” e ajudou a transformar o endereço em ponto obrigatório da vida social belo-horizontina.
Foi ali que, em meados dos anos 1920 e 1940, políticos como Juscelino Kubitschek e artistas ligados ao modernismo circularam e trocaram ideias. Em 1924, o hotel recebeu Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e diversos outros intelectuais que excursionavam por Minas Gerais. No mesmo período, jovens escritores mineiros — entre eles Carlos Drummond de Andrade — também frequentavam o local, o que rendeu encontros marcantes e até inspirações literárias.
Nos anos 1940, a hospedagem voltou a reunir grandes nomes: foi em uma conversa no Grande Hotel que JK e Oscar Niemeyer trataram dos primeiros passos para o complexo arquitetônico da Pampulha, que mais tarde se tornaria um símbolo de Belo Horizonte.
Após a morte de Arcângelo Maletta, em 1953, o imóvel passou para os herdeiros, que optaram pela venda. Em 1957, o antigo prédio foi demolido para dar lugar a um novo empreendimento, de grandes proporções, projetado pelo arquiteto Oswaldo Santa Cruz Nery. A ideia era ousada e alinhada ao espírito desenvolvimentista da época: construir uma espécie de “cidade vertical”, misturando apartamentos, salas comerciais, serviços e espaços de convivência.
Inaugurado em 1961 e batizado como Conjunto Arcângelo Maletta em homenagem ao antigo hoteleiro, o prédio rapidamente se tornou um marco da região central. Com centenas de apartamentos e salas, além de lojas, ateliês, sebos, bares e escritórios, o edifício passou a receber tanto moradores quanto milhares de visitantes diários.
Durante as décadas seguintes, o Maletta foi berço de movimentos culturais, refúgio de artistas e trincheira de resistência política — especialmente durante a ditadura militar. Bares tradicionais, como a Cantina do Lucas, tornaram-se espaços simbólicos de encontro entre jornalistas, estudantes, escritores, músicos e militantes.
Nas últimas décadas, o edifício ganhou novo fôlego. Os sebos seguem como referência na capital, as galerias passaram a abrigar intervenções e exposições independentes, e a famosa varanda do segundo andar se firmou como um dos espaços mais disputados da boemia belo-horizontina. O lugar se reinventa, mas não perde sua vocação original: ser um ponto de encontro plural, onde convivem gerações, expressões artísticas e diferentes modos de viver a cidade.
A história do Maletta — e antes dele, a do Grande Hotel — acompanha a própria trajetória de Belo Horizonte. Ali se hospedaram modernistas; ali se discutiram projetos que moldaram a capital; ali circularam estudantes, intelectuais e trabalhadores que ajudaram a construir a vida cultural e política da cidade.
O antigo Grande Hotel já não existe fisicamente, mas sua memória continua impregnada nos corredores do Maletta, nos bares que resistem ao tempo, nos livros amarelados dos sebos e no vai e vem de quem faz do prédio um organismo vivo, diariamente reescrito.