Cultura

Livro resgata biografia de travesti que foi retratada na minissérie Hilda Furacão

Temida por bandidos e policiais e amada por prostitutas, a nordestina que viveu em Minas Gerais teve vida movimentada, mas morreu no esquecimento


Créditos da imagem: Divulgação
Nascida no Ceará e mineira de vivência, Cintura Fina era negra e tinha 1,74m de altura

Redação Sou BH

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12/02/21 às 12:00
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O livro
Enverga, mas não quebra”, escrito pelo pesquisador Luiz Morando, especialista
em memória LGBTQIA+, retrata a vida da travesti Cintura Fina, que marcou época
na provinciana Belo Horizonte dos idos de 1950.

Nascida
no Ceará e mineira de vivência, Cintura Fina não passava despercebida. Especialmente
nos arredores da boemia dos bairros Bonfim e Lagoinha, ela comprou briga com
uns, defendeu outros. Na região, também foi diversas vezes detida. Sua
identidade, que transitava entre o que era considerado masculino e feminino,
causava incômodo na dita sociedade.

Confira aqui a entrevista completa com o autor da obra.

A navalha para defender sua identidade

Cintura Fina havia aparecido de forma
tangencial durante a minissérie Hilda Furacão, feita pela TV Globo nos
anos 1990. Na obra, adaptada do livro homônimo do escritor Roberto Drummond,
seu personagem foi encarnado pelo ator Matheus Nachtergaele. Sua presença na
memória coletiva deve-se ao fato de que Cintura Fina também foi amplamente retratada
pelo noticiário belo-horizontino entre as décadas de 1950 e 1980. 

 

Negra de 1,74m de altura, Cintura Fina
era imponente. Alvo de constantes agressões da polícia, foi presença contínua
em delegacias devido a seu hábito de não aceitar abusos – numa época em que o
preconceito era ainda mais preponderante na sociedade. Para se defender, usava
com perícia uma navalha, o que lhe rendeu 11 inquéritos policiais por furto e
lesão corporal. Chegou a dar aulas de como manusear o artefato.


Por outro lado, são vários os relatos da época dando conta da
solidariedade e generosidade da travesti, sempre dedicada a resolver problemas
sociais e de confronto junto à população mais vulnerável, especialmente entre
as prostitutas.

 

Segundo o autor, o entendimento que Cintura
Fina tinha sobre sua identidade sexual estava à frente de sua época. “Em
1953, em sua primeira detenção policial na cidade, ela foi levada para a
delegacia vestida com traje feminino, maquiada, sobrancelhas pinçadas, unhas
esmaltadas, cabelos cortados ao modo feminino. Isso foi uma constante nessas
duas décadas. Era ousadia suficiente aos olhos da população e da imprensa, que
viam isso como excentricidade e rompimento de regras sociais”, contextualiza.


Assim como ainda acontece com a imensa maioria da população travesti, Cintura
Fina não encontrou outra possibilidade de renda senão a prostituição. Anos
depois, aprendeu o ofício de alfaiate. Viveu no meio da boemia belo-horizontina
e seu nome acabou ganhando holofotes entre policiais, malandros, bêbados e
prostitutas.

 

Ousada para a época, Cintura Fina não
aceitava que alguém questionasse sua identidade sexual. Ter a aparência que
conjugava traços femininos e masculinos causava estranhamentos na sociedade. A
imprensa era cruel no uso dos termos para se referir à comunidade LGBT. As
travestis eram “as anormais da cidade”, as lésbicas eram chamadas de
“trogloditas”, enquanto “invertidos” era o termo direcionado aos gays.


Nascida em 1933, Cintura Fina morreu aos 62 anos, na cidade mineira de
Uberaba, onde passou os últimos 15 anos de sua vida.

 

O autor


Especialista em memória LGBTQIA+, Luiz Morando é mestre em Literatura
Brasileira e doutor em Literatura Comparada, ambos pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Foi atuante em trabalhos de prevenção ao HIV/Aids
realizados pelo Grupo de Apoio e Prevenção à Aids de Minas Gerais (GAPA).
Professor de literatura brasileira e teoria da literatura, é autor dos livros Paraíso
das Maravilhas
: uma história do Crime do Parque e Enverga, mas não
quebra
: Cintura Fina em Belo Horizonte. Também assina diversos artigos
sobre seu tema de pesquisa em periódicos acadêmicos e livros. Há décadas se
dedica à pesquisa sobre memória e performatividades LGBTQIA+ em Belo Horizonte
e Minas Gerais. Seu imenso acervo é composto por artigos, reportagens e
documentos históricos a respeito do tema.

 

A editora O Sexo da Palavra


Situada em Uberlândia (MG), a Editora O Sexo da Palavra nasceu em 2016
pelas mãos do designer Antonio K.valo. Seu intuito é ampliar o espaço para
publicações sobre gênero e sexualidade, seja em obras de contos, romances,
ensaios, poesias e outros. O projeto é resultado de pesquisa realizada pelo
prof. dr. Fábio Figueiredo Camargo, consultor da editora, na investigação do
homoerotismo na prosa brasileira pela Universidade Federal de Uberlândia
(UFU). 


Serviço:


Livro Enverga, mas não quebra: Cintura Fina em Belo Horizonte

Editora: O Sexo da Palavra

340 páginas; R$ 58,00

À venda em www.osexodapalavra.com