Lô Borges quase desistiu da carreira após lançar o “Disco do Tênis”. Descubra como o álbum rejeitado virou um clássico internacional
Capa do álbum 'Lô Borges', de 1972. O tênis gasto simboliza a caminhada intensa do músico no início da carreira.
O cantor e compositor Lô Borges morreu na noite de domingo (2), em Belo Horizonte, aos 73 anos. Ele passou as últimas semanas internado, após sofrer intoxicação por medicamentos. Salomão Borges Filho, nome de batismo do artista, integrou a geração de músicos mineiros que transformou a música popular brasileira. O artista gravou discos coletivos históricos e influenciou novas gerações de artistas em todo o país com o seu álbum de estreia “Disco de Tênis”.
Além disso, Lô fundou o Clube da Esquina ao lado de Milton Nascimento. Dessa forma, ele marcou sua trajetória com composições como “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, “O Trem Azul” e “Paisagem da Janela”. Além disso, no início da carreira, o jovem compositor enfrentou resistência. Quando Milton o convidou para participar do álbum “Clube da Esquina”, os executivos o consideraram inexperiente para tocar com músicos renomados, como Wagner Tiso e Toninho Horta.
Mesmo assim, Milton defendeu o parceiro com firmeza. Ele avisou à gravadora que, se Lô ficasse de fora, ele também deixaria o projeto. “Eu devo muita coisa pra esse cara! Eles não querendo perder o Milton, me levaram de brinde”, brincou Lô em entrevista ao programa Um Café Lá em Casa, do guitarrista Nelson Faria.
Por causa da insistência de Milton, Lô participou das gravações e comprovou seu talento. Sua atuação superou todas as expectativas e convenceu a EMI a oferecer um contrato solo, desde que ele criasse um repertório em pouco tempo. Assim, ele concebeu o lendário “Disco do Tênis”, lançado em 1972.
Para cumprir o prazo apertado, Lô elaborou um plano ousado. Ele e o irmão, Márcio Borges, decidiram compor em revezamento. Durante uma semana, Lô escreveu de dia e Márcio de noite. Assim, eles criaram esboços de canções que os amigos do Clube da Esquina ajudaram a lapidar.
Segundo Lô, o processo se transformou em uma verdadeira oficina de criação. “Tudo acontecia na hora, por intuição e musicalidade. Todos contribuíram com talento e energia”, contou ao Correio Braziliense.
Entretanto, a pressão quase o fez desistir. A gravadora cobrava resultados imediatos, e o tempo corria. Fã dos Beatles, Lô buscou motivação lembrando que seus ídolos gravavam discos inteiros em poucos dias. “Eu pensava nisso para me manter firme”, explicou o músico.
Durante as gravações, Lô reuniu um mutirão de músicos e amigos. Milton Nascimento e Márcio Borges coordenaram a coprodução. Além disso, Lô firmou parcerias com Tavinho Moura e Ronaldo Bastos, que criaram com ele faixas como “Você Fica Melhor Assim” e “Canção Postal”.
O projeto também contou com participações especiais. Danilo Caymmi tocou flauta em “Não Foi Nada” e “Calibre”, enquanto Dori Caymmi assumiu os arranjos e a regência. Apesar da força criativa, a EMI investiu pouco na divulgação, e o álbum passou despercebido. Durante muitos anos, o próprio Lô rejeitou a obra. “Eu achava o álbum caótico, ansioso e marcado pela ditadura, um tempo em que eu me sentia oprimido”, disse ao site Tenho Mais Discos Que Amigos, em 2021.
Com o tempo, Lô reinterpretou o simbolismo da capa. Segundo ele, o tênis expressava sua busca por liberdade. “Eu não queria que executivos guiassem minha carreira. O tênis mostrava que eu largava a música naquele momento. Eu não queria viver da música, queria que a música vivesse em mim”, afirmou ao Correio Braziliense.
Logo após concluir o disco, Lô abandonou o show business e decidiu retomar a juventude. “Saí das gravações exausto e magro. Disse pra mim mesmo: ‘Não quero saber de gravadora, quero viver como um jovem da minha idade, ir pra Bahia de carona’”, contou ao Jornal do Comércio em 2017.
Com o passar dos anos, o “Disco do Tênis” conquistou o mundo. Embora Lô o tenha rejeitado, o álbum formou uma legião de admiradores e inspirou músicos de diversas gerações.
Em 2018, o vocalista do Arctic Monkeys, Alex Turner, declarou que o disco serviu de inspiração para compor “Tranquility Base Hotel & Casino”. Ele revelou que escreveu quase todas as músicas do álbum “com Lô Borges na cabeça”.
Diante de tanta reverência, Lô reviu sua própria história e reconheceu o valor do “Disco do Tênis”. Ele autorizou os diretores Vânia Catani e Rodrigo de Oliveira a produzir um filme sobre a criação do álbum, previsto para estrear em breve.